Nos meus retalhos escritos para este blogue não é propriamente meu objetivo debruçar-me ou tomar posição sobre temas políticos. Mesmo assim, por vezes, acho que posso ter algo a dizer sobre os sentimentos que movem as pessoas nas suas decisões políticas. Escrever, por exemplo, sobre os sentimentos que recentemente levaram o povo britânico a votar a favor da saída da União Europeia. E alguma coisa sobre os meus próprios sentimentos também….
Quando me desloquei há poucas semanas a Inglaterra, foi para estar numa festa celebrando as bodas de ouro de um casal de primos meus. Nessa altura, era como se ainda estivessem a tinir nos meus ouvidos as vozes da recente campanha de propaganda a favor do Brexit, liderada por Boris Johnson e Nigel Farage. E sentira-me sinceramente triste pelo resultado do referendo. Como todos sabem, houve momentos em que Johnson e Farage se excederam em afirmações bombásticas que eu, com a minha sensibilidade (britânica!), só podia classificar como má educação e desrespeito pelos seus parceiros da UE.
Não estava habituado a ver, na política britânica, tantas emoções a virem à superfície: notava-se nesta campanha um certo «orgulho de raça» (normalmente mais bem disfarçado) que levava os líderes a proclamar em alta voz que «sozinhos estamos melhor». Notava-se também o aproveitamento de muito medo no público em geral, especialmente por causa da questão difícil do controlo da imigração na Europa.
A minha reação imediata foi clara. Agora, depois de quase 40 anos em Portugal, deve ser uma altura oportuna para obter a dupla cidadania! Se não o fizer, continuo a viver num país europeu, sendo um cidadão não-europeu. Não fui eu que quis fazer o Brexit - nunca tivera essa intenção.
Ao chegar à minha aldeia, vi uma grande «Union Jack» – bandeira do Reino Unido – ao pé da casa de uma pessoa que conhecia bem. Nesse momento vi o que pode ser a força dos sentimentos – agora, o que para mim era apenas um símbolo do patriotismo, tinha-se transformado num símbolo faccioso. Era como se a bandeira me estivesse a dizer: «sozinhos estamos melhor». Senti, confesso, alguma irritação. Mas depois refleti um pouco. Afinal, a pessoa que assim ostentava a bandeira era alguém que eu respeitava bastante (um professor da Escola Primária da aldeia, já aposentado há alguns anos). Não fiz comentários.
Não é fácil para quem não se especializa em economia pesar objetivamente os prós e os contras da retirada de um país da UE. Na minha estada na Inglaterra, por exemplo, ouvia na TV pessoas que representavam empresas e outras instituições na zona nordeste do país expressarem o seu alarme pelo facto de os fundos europeus, dos quais ainda dependiam, estarem em breve para ser retirados. Seria o Governo britânico capaz de pagar esses subsídios? Sei que em outras regiões do país os sentimentos terão sido outros. Aí terão focado a contribuição da Grã-Bretanha para a Europa. Muito depende da zona, da classe social, da faixa etária, etc.
Mas os meus sentimentos começaram a influenciar-me de outra maneira também. Não podia deixar de lembrar uma personagem significativa que há anos teve o seu impacte na minha vida e na da minha esposa. Sir Frederick Catherwood, com a sua esposa Lady Elizabeth, tinham estado em 1973 em Schloss Mittersill, Áustria, onde a Celeste e eu nos encontrámos pela primeira vez, alguns anos antes do começo do nosso namoro (1976). Eu estava a preparar-me para o trabalho com estudantes em Espanha (GBU) e a Celeste era líder estudantil no GBU aqui em Portugal.
Não conhecia na altura ninguém que tivesse o título de “Sir”! Sendo Sir Fred um homem tão humilde e prático, chamou-me a atenção o facto de a Rainha Isabel o ter agraciado dessa forma. Ele era genro do célebre Pastor Dr. Martyn Lloyd Jones, um expositor bíblico galês em Londres que me marcara e que marcou gerações. Depois de termos estado em Mittersill, Sir Fred, político do Partido Conservador, veio a ser durante um tempo Vice-Presidente do Parlamento Europeu (1989-91). Depois visitou Portugal e tivemos a oportunidade de o encontrar brevemente aqui, quando eu e a Celeste já tínhamos casado e éramos obreiros da IFES (Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos).
Sir Fred (que faleceu em 2014) também publicou livros sobre o envolvimento do cristão na sociedade e na política. A sua posição era calvinista – toda a Bíblia aplicada a toda a vida. Como será óbvio, o apego dele ao projeto da UE não era só uma questão de interesse financeiro unilateral ou nacionalista. Compreendia que a união e colaboração entre os países, com o devido respeito pela sua individualidade, era um valor positivo.
Tentei imaginar qual teria sido a reação de Sir Fred se tivesse ouvido, por exemplo, Boris Johnson a referir-se com sarcasmo aos «toureiros espanhóis» que o «nosso dinheiro» (o da Grã-Bretanha) subsidiava!
Mas, no meio da minha confusão de espírito, vim a aprender uma lição importante. Em momentos como este, não é conveniente o cristão reagir emotivamente, influenciado pelos sentimentos instalados. Se o fizer, corre o risco de não conseguir ouvir ou compreender razões sérias que podem levar outra pessoa a perfilhar uma ideia contrária à sua.
Na referida festa, sentei-me ao lado de um primo, agora com 88 anos (que não via há cerca de 40!). Até há alguns anos ele foi, como o meu pai tinha sido, agricultor e pregador leigo da Igreja Metodista. Sobre os diversos temas que este meu primo abordou, falou de uma forma informada. Disse que tinha votado a favor do Brexit e explicou, sucintamente, que o fizera porque sentia que a UE estava hoje a seguir um caminho diferente do que inicialmente se tinha pretendido – corria o risco de se transformar em «Estados Unidos da Europa». Dias antes ouvira um amigo aqui em Portugal, bem informado, dizer que se fosse britânico votaria a favor do Brexit, pela mesma razão.
Essas palavras simples serviram-me de lição – neste tipo de questão, devemos respeitar o ponto de vista do outro.
E percebi que, afinal, Deus, Senhor soberano e juiz das nações, opera em tudo e, naturalmente, pode estar a julgar esta união de nações que progressivamente está a tentar eliminar os próprios valores cristãos que poderiam ser a sua maior força. Obviamente nem a Grã-Bretanha nem os países da UE estão a defender esses valores. Faltam-nos figuras distintas com voz profética que vivam integralmente a fé cristã, como «Sir Fred» a vivia.
Sobre o novo governo de Theresa May não comento. Nem sobre aquilo que a Escócia pode vir a decidir no futuro!