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Os meus já referidos complexos (síndromes?) sempre tornaram bastante difícil dirigir-me a pessoas desconhecidas. Por vezes dar um simples «bom dia» ou fazer uma observação sobre o tempo (tema preferido dos britânicos!) punha-me a tremer. E abrir o meu coração para falar com alguém sobre as referidas lutas interiores entre incredulidade e fé era praticamente impensável, fosse com quem fosse.  A não ser que alguém me propusesse escrever sobre o assunto!

 

Conhecer Cristo, no ambiente da IVF (depois UCCF – equivalente do GBU em Portugal), significava por definição prontificar-me a falar com outros, partilhando as boas novas da salvação. Mateus 28:18-20 eram as ordens do General Supremo para nós: quem é que se atrevia a não obedecer? Criou-se então o dilema: para eu ser coerente com a minha fé, era imprescindível fazer aquilo que por temperamento não era capaz de fazer. E Deus mandava isso – só que tinha a «infelicidade» de ter nas Suas mãos uma criatura que Ele tinha dotado com outras capacidades que não as da comunicação verbal.

 

Para resolver este dilema, creio, em termos gerais, que Deus proporcionou três soluções diferentes ao longo dos anos. A primeira pode chamar-se um «empurrão suave para a tarefa impossível», no sentido de eu conseguir fazer aquilo de que me achava incapaz. No meu segundo ano em Magdalene College, veio viver no quarto ao lado um estudante novo, aparentemente tímido, o Hugh, que não era crente. Vendo a simplicidade da sua maneira de ser consegui, com passos tímidos, travar uma certa amizade com ele. Ao mesmo tempo Stuart, o meu amigo extrovertido (ver Retalhos D), reparou nele e, entre os dois, começámos a convidar Hugh para reuniões. Quando ele se converteu, para Stuart deve ter parecido mais ou menos normal: para mim pareceu um milagre totalmente inédito! E, sobretudo, que a minha amizade e as minhas palavras tivessem algo a ver com isso!

 

Curiosamente, no ano seguinte, fiquei no mesmo quarto e para o quarto ao lado veio um novo «caloiro», o Mike. O processo repetiu-se de uma forma bastante parecida! E tanto Hugh como Mike mantêm a sua fé até hoje.

 

Também experimentei um outro «empurrão suave» através do envolvimento na «Juventude com uma Missão»: num ano numa campanha em Poole, sul da Inglaterra, onde evangelizámos de porta em porta  (pelo menos a metade das vezes tinha de ser eu a iniciar a conversa!) e, no ano seguinte, em Munique, onde se realizaram os Jogos Olímpicos de 1972. Antes do incidente violento, em que terroristas palestinianos mataram atletas israelitas, as pessoas conversavam muitas vezes com calma e descontração e não era muito difícil introduzir o tema do Evangelho. Afinal o que fazia em Munique um grupo de uns 5000 jovens que nem sequer tinham bilhetes para ver os jogos? Depois da violência, houve na cidade um ambiente generalizado de medo e apreensão – mas, mesmo assim, houve muito boas oportunidades de falar do Evangelho.

 

Lembro-me com emoção até hoje do ajuntamento de fim de dia na Hauptbahnhof (estação central) de Munique, deste grupo enorme de jovens da JOCUM a cantar: «Jesus Cristo é Senhor, foi ressurreto dos mortos e é Senhor. Todo o joelho se dobrará, e toda a língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor!». Éramos tão visíveis, no meio do ajuntamento enorme de turistas em Munique, que me parecia que em breve devia acontecer isso mesmo: toda a língua passar a confessar espontaneamente a soberania de Cristo! Na realidade ainda faltava muito!

 

Quando no ano seguinte fui cooperar com o GBU em Espanha, como membro de uma equipa de graduados com apoio financeiro do GBU de Cambridge, enfrentava algumas dificuldades novas: a língua que não falava bem, o facto de não surgir mais nenhuma pessoa com quem fazer equipa (descoberta triste de última hora) e o meio universitário tenso e apreensivo no aspeto político e cético no aspeto religioso. Foi um ano antes da morte de Franco, autoproclamado salvador do país!

 

Aqui, Deus começou a lidar de uma forma um pouco diferente comigo. Posso chamar a segunda fase de «compreensão nova da minha tarefa». Embora muitas vezes tivesse de falar abertamente acerca de Cristo, também muitas vezes passei a depender dos meus colegas crentes – a já referida «mão cheia» de estudantes espanhóis que não tinham dificuldade em serem os meus porta-vozes. E percebi que o meu papel principal era acompanhar, animar e ensinar – não fugindo, no entanto, de falar acerca da minha fé quando era oportuno. Percebi melhor, nessa fase, o facto de a ordem de Mateus 28 ter sido dada a um grupo de discípulos, com dons e temperamentos variados. O trabalho conjunto seria evangelizar as nações – contribuindo uns de uma forma e outros de outra. O ensino que até aí recebera sobre o assunto (e que muitas vezes continuava a ouvir) tendia a ser um tanto individualista: «cada crente um ganhador de almas», ensino este que me provocava um certo pânico.

 

Cada vez mais me encontrei em situações de grupo em que se evangelizava. Lembro-me, também com emoção, da D. Célia, uma irmã idosa da Igreja Baptista de Coimbra que não sabia ler, mas que falava com todos os seus vizinhos acerca de Cristo! Conhecia bem os textos bíblicos, muitas vezes de cor, mas não se sentia capaz de dirigir um estudo bíblico evangelístico em casa. Que alegria, quando me convidou com a Celeste para dirigirmos os estudos em casa dela!

 

Nos (até agora) 25 anos do meu trabalho como professor no Seminário Baptista em Queluz foi essa a ênfase: ajudar a equipar aqueles, portugueses e de outras nacionalidades, que iam ser obreiros na seara de Deus.

 

Acho que também houve uma terceira fase na minha evolução relativamente à tarefa da pregação do Evangelho. A esta fase posso chamar a fase do «equipamento novo para outros aspetos da tarefa». É a fase em que desenvolvi a capacidade – que julgava não ter – de pregar o Evangelho (evangelizar) do púlpito. Ao ser consagrado pastor em Coimbra, em 1991, entendia que os meus ministérios principais como pastor seriam ensinar as Escrituras e acompanhar e aconselhar os crentes. Havendo, no entanto, na igreja bastantes membros idosos, foi relativamente frequente ter de dirigir os seus funerais. Em alguns casos, as suas vidas tinham-me inspirado de tal maneira que parece que ganhei uma eloquência especial para anunciar a todos os ouvintes a única mensagem que dava segurança de salvação e vida eterna – isso é evangelizá-los. Senti-me cada vez mais impelido a explicar aos amigos e familiares dos falecidos a nossa convicção de que os crentes que deixam esta vida passam imediatamente para a presença do Senhor. E a apelar para que os vivos presentes aceitassem enquanto havia tempo a única mensagem que os podia salvar. Quando preguei no funeral do meu querido sogro, crente fiel que já passava dos 90 anos, disseram-me depois que uma pessoa se tinha convertido a Cristo como resultado da vida do meu sogro e da minha mensagem a respeito dela. Nunca cheguei a conhecer a pessoa. 

 

E muitas vezes, aos domingos nos cultos da igreja de Caldas da Rainha, anunciava a mensagem de salvação diretamente, sentindo-me de certa maneira a evangelizar de uma forma que tinha julgado impossível!

 

Continuo absolutamente convicto de que a pregação direta da mensagem de Cristo, como único Salvador do pecado e único Senhor das nossas vidas, é o elemento central de toda a mensagem cristã. Não defendo métodos demasiado agressivos e não nego nada que de positivo possamos aprender da ênfase recente na evangelização integral. Defendo que a amizade com os crentes normalmente providencia o ambiente em que as pessoas podem encontrar a mensagem de Cristo. Seja qual for o método através do qual as pessoas chegam a ouvir a mensagem de Cristo crucificado e ressurrecto, esta é a única mensagem que de facto lhes pode trazer salvação e transformação da vida.

 

Mas há muitas situações em que a timidez e a introspeção parecem ainda limitar-me. Será que a minha ênfase deve ser lutar para as vencer – ou não será antes trabalhar mais dentro das áreas em que claramente Deus me capacitou, dando-me os Seus dons? Isto dá-me a alegria enorme de ser mais um «vaso de barro» que pode, de formas diretas e indiretas, ser útil para a comunicação do Seu extraordinário tesouro (2 Coríntios 4:7). E assim posso, em boa consciência, deixar para outros irmãos o tipo de tarefas que eles, por terem sido equipados para elas, podem fazer melhor.

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