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Segundo a definição do Dicionário Priberam, o «jugo» é uma «canga de bois». E é a metáfora usada por Jesus (Mateus 11:29) para definir uma relação com ele que é ao mesmo tempo vinculativa e agradável. Por um lado, o jugo que partilhamos com Ele compromete totalmente a nossa liberdade de escolha: somos chamados a fazer a Sua vontade e não a nossa. Por outro lado, entramos num processo de aprendizagem com ele que é suave e agradável. Isto dá-nos muito mais satisfação do que alguma vez poderíamos alcançar se seguíssemos as nossas próprias opções. Podemos chamar a esta vida uma «escravidão libertadora».

 

A figura do «jugo» vem a ser usada também para relações interpessoais. O maior privilégio que eu e a Celeste experimentamos é um vínculo de casamento que não admite a hipótese de separação, que vai até ao fim da nossa vida aqui. Obviamente nunca poderíamos obter este tipo de satisfação através de relações pré-conjugais ou extraconjugais. Este «jugo» que o homem e a mulher assumem um com o outro faz sentido porque cada um encontrou no «jugo» com o Senhor uma «escravidão libertadora» que é a sua melhor realização.

 

Em 1991, por exemplo, partilhei com a Celeste o desejo que sentia de deixar o trabalho de dar aulas de inglês, para me candidatar à consagração ao ministério pastoral. Éramos na altura membros da igreja baptista em Coimbra, mas estava disposto a ir servir outra igreja (havia várias sem pastores na altura) e gostava também de me pôr à disposição para lecionar teologia no Seminário da denominação. Assim, e já com quatro filhos, iríamos mudar de residência de Coimbra, que conhecíamos bem, para qualquer outro lugar desconhecido para nós. E sabíamos que as igrejas não costumavam ter condições para oferecer grandes salários!

 

A Celeste concordou de imediato. Como é que ela poderia ter reagido assim se não fosse crente ou se, mesmo sendo-o, não estivesse também a andar na «escravidão libertadora» do «jugo» de Jesus?

 

O Pastor Daniel Machado, abordado sobre esta hipótese da minha consagração, disse que ele próprio tinha estado a sentir o mesmo a nosso respeito. Achava que me devia dizer que me considerava um vocacionado para o ministério pastoral. Assim o Senhor deu-nos uma excelente confirmação!

 

Realizou-se o concílio examinador e a consagração ao ministério pastoral, no dia 15 de junho de 1991, com a participação de 24 pastores. A Celeste também foi chamada para ir à frente da congregação nesse dia, para que a oração pronunciada fosse a favor do casal que iria realizar o ministério pastoral, não só a favor do marido. Juntos assumimos as implicações desta nova fase do nosso compromisso como discípulos. O «jugo» que nos unia era igual.

 

O Pastor Daniel costumava ensinar, com base em 2 Coríntios 6:14 e vários outros textos, que o discípulo de Cristo não se devia prender num «jugo desigual», de namoro ou casamento, com uma pessoa descrente. Quando convidado a pedir a bênção do Senhor para um casamento na igreja, ele só aceitava se ambos os noivos professassem claramente a sua fé em Jesus como Salvador e Senhor. Por vezes o facto de o Pr. Daniel se recusar a celebrar um casamento em «jugo desigual» tornara-o menos popular – mas manteve-se sempre coerente.

 

Fui convidado em julho para ser pastor da Igreja Baptista de Caldas da Rainha, igreja em que conhecíamos pouquíssimas pessoas. Aqui, além de outros problemas que viemos rapidamente a descobrir na comunidade, víamos que alguns dos jovens estavam a namorar com descrentes.

 

À medida que nos íamos relacionando com os jovens e conhecendo-os melhor, intensificava-se o nosso desejo de que os «jugos» que assumissem para as suas vidas fossem com outros crentes, como tinha acontecido connosco. O que nos motivava não era a obediência legalista a um texto isolado, mas sim a nossa alegria com o privilégio que, pela graça de Deus, nos tinha sido concedido, de podermos viver assim. Tínhamos encontrado esse lugar de privilégio e só podíamos desejar que os jovens da igreja que servíamos o encontrassem também.

 

O que nos surpreendia era o facto de muitos dos crentes mais velhos (alguns com casamentos cristãos e outros não) acharem que a nossa posição era hostil aos jovens e que eu os estava a afastar da igreja com esse tipo de ensino. A ideia deles era que poderiam ganhar a parte descrente para a fé, através do namoro ou mesmo do casamento com um crente. Parece que eles não percebiam que, na grande maioria dos casos, é o processo inverso que ocorre.

 

O método que adotei na pregação era expositivo: pregava sobre os livros da Bíblia, capítulo por capítulo, versículo por versículo. O tema dos casamentos mistos surgiu com bastante frequência, por causa da insistência de um bom número de passagens do V.T. no erro que daí advinha – o risco de o cônjuge crente incorrer em compromissos fatais da sua relação com o único Deus, pelo facto de o cônjuge ter outras lealdades. É uma questão de coerência com o 1º dos 10 Mandamentos. Não era uma questão racial, ou de xenofobia, mas sim uma questão de fé. As passagens do V.T. que tratavam do tema eram 9 no mínimo. E os relatos de Esdras e Neemias mencionam medidas extremamente drásticas adotadas por causa de casamentos com pessoas que seguiam outros deuses. O livro de Rute, por outro lado, dá um belo exemplo de um casamento inter-racial (de um israelita com uma moabita) em que os dois professam a mesma fé.

 

No Novo Testamento é óbvio que o termo metafórico «jugo» se pode aplicar a outros tipos de relacionamento sem ser só o do casamento (sociedades comerciais, ou mesmo relações inter-eclesiais, por exemplo). Mas, como a relação do casamento é a relação mais íntima que pode existir entre dois seres humanos, torna-se evidente que a proibição se tem de aplicar em primeiro lugar a esse tipo de «jugo». O exemplo que Paulo menciona em 1 Coríntios 7:39 é mais uma evidência disso.

 

Pregar assim foi muito custoso. Numa fase em 1993, quando alguns líderes da igreja estavam a tentar forçar a minha saída, por eu «não ter capacidade de lidar com os jovens», sofri sérios problemas a nível de saúde. Em algumas das situações mais críticas tive de ser substituído pela Celeste na direção das reuniões da igreja (naturalmente com o apoio dos outros responsáveis). Um grupo grande de membros, incluindo a maior parte dos jovens, deixou a igreja nessa altura.

 

Mesmo após uns anos de trabalho persistente, envolvendo reuniões de estudo bíblico em lares, Escola Dominical e ensino expositivo na igreja, este problema começou a ressurgir. Estávamos em 1998. Não aconteceu alguém pedir que o pastor celebrasse um casamento misto. O que persistia era a miragem dos pais de alguns jovens, membros da igreja, que achavam que o namoro dos seus filhos devia ser estimulado e apoiado e que assim a parte descrente se viria a converter.

 

(Outro problema também foi o do projeto das novas instalações da igreja, que será referido em outro «retalho». Acharam que um pastor que «perdia» membros da igreja, por causa do seu ensino, devia ser dispensado para que a igreja tivesse mais fundos disponíveis para construir o seu templo).

 

Quando em 1998 a minha permanência como pastor foi votada, e ganhou só por um voto, não só houve mais pessoas que saíram como também iniciaram um processo legal para impugnar a votação. Esse processo felizmente foi retirado por influência de alguns colegas da Convenção Baptista Portuguesa que persuadiram os queixosos.

 

Escrevendo em 2017, ainda é difícil reviver a dureza e a dor desses tempos! Mas, ao mesmo tempo - como acontece sempre com o «jugo» de Jesus - os benefícios vividos a nível do relacionamento, conjugal com a Celeste e eclesial com a pequena congregação que permaneceu fiel, compensaram largamente todo o sofrimento. E vimos a igreja atingir objetivos, mesmo sem haver o crescimento numérico que gostávamos de ter visto também.

 

Depois foi difícil quando a nossa filha, Lilian, começou a namorar com um jovem descrente. No caso simpatizávamos bastante com o jovem. Desejávamos que ele tivesse aceitado Cristo. Mas, quando isto não aconteceu, sabendo que não iríamos ser nós a resolver a dificuldade da nossa filha, tivemos de esperar o momento de o Senhor convencer a Lilian de que não devia continuar. Damos graças a Deus pelo seu crescimento espiritual e pelo apoio que recebeu na altura de uma obreira do GBU, Connie Duarte. Foi a Lilian que concluiu por si mesma que devia terminar o namoro. Mais tarde começou a sua relação com o então estudante Luís Calaim, crente dedicado. E agora vivem a sua fé em família, e assim educam os nossos dois netos. O John também casou com uma crente, a Laura. O Andrew neste momento namora e deseja casar com a Eve, uma jovem crente estoniana. O Ricardo permanece solteiro.

 

Após a consagração, em 2012, do meu sucessor no ministério pastoral da igreja, Pastor Paulo Francisco, muitos dos que se afastaram da igreja voltaram. Passaram por um processo de reconhecimento de diversos erros e pediram perdão à comunidade e ao seu ex-pastor. Aqueles que tinham persistido em casar fora da família da fé reconheceram o sofrimento que isto lhes trazia - e lutam agora pela conversão dos seus cônjuges. É comovedor para nós quando, entre essas pessoas, vemos agora que o nosso ministério, rejeitado há 24 ou 19 anos, está finalmente a ser compreendido e apreciado!

 

Nem sempre tem sido fácil para nós subscrever a palavra de Jesus, em que Ele descreve o seu jugo como suave e o seu fardo como leve (Mateus 11:30). Mas agora lembramos muitas alturas, mesmo durante esse período atribulado, em que sentíamos a realidade disso. E agora, na comunhão de uma igreja que aprendeu e cresceu, citamos as Suas palavras de uma forma muito mais espontânea!

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