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O meu pai (John Pallister, 1896-1982) era pregador leigo e professor da Escola Dominical. Sendo agricultor, sem ensino superior ou mesmo secundário, surpreendia as pessoas com a profundidade e convicção que transmitia do púlpito, ao expor o texto bíblico. Sendo ele, como eu, de temperamento reservado, muitas vezes transmitia mais acerca de si e das experiências que moldaram a sua vida, através de púlpito do que transmitia diretamente para a sua família em casa. Em casa, o que nos marcava era o seu exemplo, em estrita consonância com o seu ensino.

 

Por vezes juntavam-se três ou quatro pregadores leigos, que iam dirigir o culto e pregar nas várias capelas metodistas da zona. Quando eu tinha a oportunidade, ia no carro com eles. Mas era para ouvir o meu pai – não os outros – porque assim sabia que não havia o risco de me cansar!

 

Nos últimos anos da sua vida, o meu pai leu coleções de sermões de Martyn Lloyd Jones, fator este que, se os tivesse conhecido mais cedo, teria contribuído para ele cultivar a arte de expor as Escrituras sistematicamente, por ordem das passagens, – arte esta que não era cultivada normalmente no meio metodista em que estávamos inseridos.

 

Após a minha conversão, nas férias da Universidade, fui convidado algumas vezes para pregar nas capelas metodistas em Cúmbria (na altura chamava-se Westmorland). Só não cheguei a fazer a preparação específica que o meu pai tinha feito mais de 50 anos antes e, por isso, não fui integrado oficialmente como pregador metodista. Mas, quando pregava, acontecia-me o mesmo que acontecia com ele. Percebi que, do púlpito, conseguia abrir o meu coração com as pessoas com mais facilidade do que no contacto direto. Ao mesmo tempo creio que, na minha juventude, terei dado evidência de um vício que de modo nenhum foi herdado dele: o desejo de manifestar nos meus sermões muita espiritualidade e «paixão profética». Acredito que não terá sido muito fácil as pessoas ouvirem um jovem com 19 ou 20 anos que se queria evidenciar desta maneira! Mesmo assim, acredito que, nas mãos do Senhor, estava a ser preparado para o que iria ser o meu principal ministério na vida, que era pregar.

 

A preparação teológica que recebi a seguir, em Cambridge, era extremamente liberal. Professores e colegas por vezes evidenciavam a sua capacidade crítica superior, no sentido de falarem em termos bem claros acerca daquilo na Bíblia em que não acreditavam. Foi dura a luta que mantive para manter as minhas convicções perante essas pressões. Mas as ajudas que recebi de colegas crentes e professores visitantes de convicção evangélica foram muitas. Nunca achei que o púlpito era o lugar certo para evidenciar «conhecimentos superiores», que só poderiam prejudicar as convicções dos membros da congregação.

 

Quando fui trabalhar com o GBU em Espanha, em 1972, cheguei a ser convidado para pregar (em espanhol) em duas das igrejas evangélicas em Valência. Depois o meu compromisso em expor as Escrituras na Assembleia dos Irmãos em Salamanca (onde estive de 1973 a 1977), passou a ser regular. Em Coimbra, onde a Celeste e eu morámos durante alguns anos após o nosso casamento em 1977, também fui convidado a pregar na nossa igreja, a baptista. Em Cantanhede, entre 1989 e 1991, ajudámos a igreja de Coimbra a dar os primeiros passos na organização de uma Missão. O então obreiro, o angolano Costa Jamba Hossy, era um grande dinamizador, excelente na evangelização pessoal e no trabalho desportivo com jovens; a Celeste nos estudos bíblicos em lares; eu era a pessoa indicada para o ministério «do púlpito».

 

Quando fui examinado e consagrado pastor, em junho de 1991, o nosso desejo principal era poder ir servir alguma igreja, mesmo que fosse pequena, e ministrar através da exposição bíblica sistemática. Os convites ocasionais para pregar até então não tinham permitido isso.

 

Ao assumir o pastorado em Caldas da Rainha, assumi a responsabilidade de pregar expositivamente, tratando dos livros da Bíblia do princípio ao fim. Numa altura, por exemplo, expus o livro de Isaías em 66 cultos em semanas consecutivas, fazendo apenas pausas em alturas, como a Páscoa e o Natal, quando era preciso pregar sobre outros textos, ou em cultos como o do aniversário da igreja, em que havia pastor convidado. A variedade de temas abordados nesta profecia é deveras extraordinária (e muitas vezes temas de uma atualidade surpreendente). Muitos destes temas teriam ficado atrás se não fosse pela disciplina de me dedicar ao estudo de cada passagem no seu contexto.

 

Mais perto do fim do meu ministério, pela graça de Deus, viemos a ter na igreja uma equipa de pregadores: assim, o método escolhido foi manter a sequência das passagens, pedindo para os colaboradores se integrarem na sequência.

 

Percebia que o problema com o método temático na pregação era o pregador ter os seus temas preferidos e voltar sempre a eles, ignorando outros por completo. Ou, havendo problemas conhecidos na congregação, pregar «em cima do acontecimento», assim correndo o risco de estar a usar o púlpito para atingir alguém. Como é óbvio, com o uso do método expositivo, havia algum elemento de inclinação ou preferência pessoal no ato de escolher os livros a serem expostos. Mas, muitas vezes, os problemas específicos surgiam depois de essa escolha ser feita e, ao chegar o dia do sermão, percebia que o Senhor tinha colocado diante de nós uma passagem que tinha a ver diretamente com esses problemas. Explicava, então, publicamente que não tinha escolhido a passagem por causa dos problemas específicos: pregava porque estava na sequência de textos na Bíblia.

 

Um dia uma senhora, visitante já regular na igreja, veio ao nosso culto com ar extremamente feliz. A sua relação conjugal passava por uma fase difícil e, nesse dia, anunciou à Celeste ao chegar que vinha dar graças a Deus por ter finalmente conseguido o seu divórcio! Sem eu ter tido a mínima noção de que iria coincidir com a vinda da nossa amiga por esse motivo, tinha preparado uma mensagem sobre uma das passagens dos Evangelhos em que Jesus manifesta a sua oposição ao divórcio. Ao saber porque ela tinha vindo, só pude pedir que a Celeste tivesse uma palavra com ela a dizer que o tema estava na sequência das passagens indicadas e que o pastor iria tratar do tema sem mudar nada. No fim, a nossa amiga agradeceu, percebendo que não estava a pregar para agradar aos homens, mas sim a Deus. A sequência dos acontecimentos na vida dela depois confirmou de facto que o divórcio não tinha sido a solução certa para o seu problema.

 

Considerei muitas vezes o que é que devo fazer se estou a preparar para expor uma passagem e percebo que alguém na congregação pode sentir-se atingido. Devo deliberadamente explicar a ideia, e incluir ilustrações, para sempre atingir um alvo um pouco diferente daquele que sei que existe na vida da pessoa? Fazer assim é parecido com o arqueiro que aponta sempre ao lado do alvo - um pouco à esquerda ou um pouco à direita. O pregador não quer ofender do púlpito!

 

Mas, pensando no ministério dos profetas e dos apóstolos, será concebível eles terem «atirado» sempre, para não atingir plenamente o alvo? Julgo que o que devo fazer neste caso é tentar tratar tudo o que é possível particularmente com a pessoa, para ela não ser surpreendida pelo meu sermão. Ao tratar de um tema destes devo tentar sempre apontar para mim, antes de apontar para os outros. Onde há humildade no pregador, normalmente a franqueza e honestidade no uso das Escrituras são respeitadas, mesmo que o ouvinte não ache agradável o que tem de ouvir. Podemos, realmente, como o profeta Natan, no tempo de David (ver 2 Samuel 12:1-10), ter de anunciar a alguém uma verdade que não quer ouvir – para atingir o objetivo que Deus deseja, que é o seu arrependimento. Nisto o púlpito e o ministério pessoal direto devem andar de mãos dadas.

 

Aprendi, ao longo de 25 anos de ministério pastoral na mesma igreja, uma lição difícil para mim. É que o sucesso ministerial – no sentido em que normalmente se fala em sucesso – não é facilmente atingido por este método da pregação expositiva, sobretudo numa igreja em que não existe uma tradição já existente desse tipo de pregação. Pelo contrário, é natural acontecer o que aconteceu a nós – os números diminuírem, pelo menos durante um tempo. Como devem ter diminuído também no ministério do profeta Jeremias!

 

Se é verdade que nos pudemos alegrar algumas vezes com batismos e crescimento espiritual na igreja, muitas vezes o número de pessoas que se afastavam – algumas em clara rejeição da Palavra das Escrituras – por vezes era maior do que o das pessoas que se agregavam. E, para dizer a verdade, algumas vezes, tínhamos de considerar a saída de certas pessoas um tipo de vitória, uma vez que se mostravam insubmissas ao ensino e serviam de exemplo negativo para os que realmente queriam ouvir e crescer.

 

Com a tendência instalada no nosso meio de avaliar o progresso das igrejas pelo seu crescimento numérico, pode ser desanimador ter de frequentar reuniões denominacionais e ter de dar conta de um tipo de «crescimento» na nossa igreja que de facto significa menos membros e não mais!

 

Mas os sinais de crescimento espiritual na vida dos que permanecem podem ser tão ricos e podem trazer-nos tanta satisfação que mesmo essa tristeza sentida é mais do que compensada.

 

Se existe alguma passagem bíblica que me tenha servido de lema - neste ministério de pregação em que se sofre e se vislumbra a glória do Senhor - é a de Colossenses 1:27-28:

 

«…. Cristo em vós, esperança da glória; a quem anunciamos, admoestando a todo o homem, e ensinando a todo o homem, em toda a sabedoria, para que apresentemos todo o homem perfeito em Jesus Cristo; e para isto trabalho, combatendo segundo a sua eficácia, que obra em mim poderosamente».

 

E pode suceder também o que nos sucedeu. Depois de anos a confrontar dificuldades e manter posição no meio do aparente insucesso, podemos ainda estar presentes numa nova fase em que se vê crescimento numérico significativo (incluindo conversões e também reconciliação de pessoas afastadas) no ministério de quem nos sucede na função de pastor!

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