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A minha paixão pelo ensino teológico andou sempre par a par com a paixão pela pregação e o ministério pastoral.

 

Tendo recebido em jovem uma dose maciça de teologia liberal (com professores que assumiam não acreditar na ressurreição corporal de Cristo ou nos milagres registados na Bíblia), podia ser considerado um candidato um tanto suspeito para lecionar em instituições teológicas conservadoras em Portugal! Mas talvez tenha sido a veemência com que negava os postulados dos meus professores que me ganhou algum respeito – além da conhecida tomada de posição da IFES (International Fellowship of Evangelical Students), da qual tínhamos sido obreiros, a favor da inerrância bíblica.

 

Dessa forma, antes de ser consagrado pastor, tive durante algum tempo a oportunidade de lecionar no Instituto Bíblico Português (que na altura tendia a defender não só a inerrância da Bíblia, mas também o dispensacionalismo!). E em Coimbra colaborei também em aulas de extensão do IBP.

 

Ao candidatar-me para o ministério pastoral, disse ao Pastor Daniel Machado que gostava de ser considerado candidato para o ensino no Seminário Teológico Baptista. Na altura ele era diretor interino da escola e aceitou a ideia. Assim, em setembro de 1991, dei a minha primeira aula no Seminário em Queluz. Neste ano de 2017, em junho, houve um dia em que pensei que estava a dar a última aula nessa mesma escola, por motivo de algum cansaço e idade. Nessa mesma tarde o atual presidente do Conselho Diretivo da escola, Prof. Fernando Ascenso, contactou-me no fim da aula e explicou a necessidade que a Direção sentia de haver ainda uma participação minha (na disciplina que dou quase desde o princípio, a Teologia Integrada) na primeira parte do próximo ano letivo. Não fui capaz de dizer que não! Isto significa que, neste momento, são 26 anos seguidos que leciono na escola - e deverão vir a ser 26 e meio!

 

Na altura em que entrei, tinha havido alguns conflitos na escola, em parte devido a choques de personalidade, mas com um substrato de diferentes posições teológicas que era um tanto preocupante. A então Junta de Richmond, que ao longo de anos tinha colaborado com o STB, tinha na altura professores conhecidamente liberais. As suas posições (muito menos radicais do que as dos meus professores em Cambridge!) eram assumidas aqui por um dos missionários da Junta que era professor e por um dos colegas portugueses.

 

O Pastor Manuel Alexandre Júnior, que veio a ser catedrático de Línguas Clássicas na Universidade de Lisboa, e era inquestionavelmente o melhor teólogo no nosso meio, era conservador na sua teologia. E nessa altura tinha-se afastado do ensino e da direção da escola, por causa dos problemas que existiam.

 

Assim uma das minhas primeiras tarefas, além de ensinar, foi fazer parte de um grupo de trabalho que iria sondar as igrejas acerca do tipo de teologia que queriam (partindo da base de que os seus membros sabiam distinguir o liberalismo do conservadorismo – o que nem sempre era o caso!) e, depois, tentar resolver a questão de quem viria a ser o diretor da escola. Inclusive escrevi e enviei aos pastores das igrejas um trabalho com o título «O Pastor Conservador». O meu empenho era mostrar que não se tratava de ser conservador em questões de costumes, de eclesiologia ou de posições políticas – o que estava em causa era a inspiração e autoridade suprema do texto bíblico. Na sondagem a larga maioria das igrejas, ou os seus pastores, optaram pela posição conservadora, que é a que a escola tem mantido até hoje. A seguir o Pastor Alexandre foi convidado a assumir novamente a Direção do Seminário. Foi meu privilégio ser colega e amigo deste notável pastor e professor até à altura da sua aposentação da função. A sua esposa, Ir. D. Mª José, desempenhou com diligência e muita competência a função de secretária, como aliás já o havia feito antes da saída temporária deles.

 

Do Pastor Alexandre aprendi importantes lições acerca da prática do ministério pastoral e do acompanhamento dos alunos. Não cheguei a ser seu aluno das disciplinas que lecionou. Creio que uma característica que eu tinha (e tenho!) em comum com ele é uma tendência de avaliar alunos, e mesmo colegas, pelo lado positivo, querendo dar oportunidades mesmo a alguns que tinham falhado notoriamente. Isto pode ser considerado «pastoral», mas há situações também em que leva a cometer erros.

 

Houve o caso, por exemplo, de um aluno de idade já madura, muito empenhado nos estudos e que já desenvolvia um ministério bastante conhecido entre os baptistas, na implantação de uma igreja. Depois foi descoberta a vida dupla que este aluno – depois diplomado e pastor – tinha estado a viver. Fiz parte de um grupo que teve de se deslocar à cidade em que ele trabalhava para apurar os factos da situação. Quando voltei e telefonei ao Pastor Alexandre para referir os factos que tínhamos vindo a conhecer, confirmados inclusive pela família da pessoa em causa, percebi que o Pastor Alexandre ainda estava à espera que lhe desse notícias positivas. Queria mesmo manter a sua confiança na pessoa que tinha apoiado e amado. Mas, perante os factos, ele, como eu e outros colegas envolvidos, não tivemos outra hipótese que não fosse recomendar à igreja a suspensão da pessoa do ministério pastoral.

 

Após a saída do Pastor Alexandre da Direção, o Pastor Glenn Watson da «Foreign Mission Board» dos Baptistas do Sul (anteriormente Junta de Richmond), assumiu a função durante um tempo. Este já era de linha teologicamente conservadora, coincidindo com uma fase em que a própria denominação nos EUA tinha dado uma viragem. Glenn era extremamente equilibrado, na sua abordagem pessoal e na sua teologia. Por vezes parecia que alguns líderes que estavam na liderança da Junta, nos EUA, levavam o seu conservadorismo longe demais, enveredando em alguns casos para o «fundamentalismo»!

 

Com o Pastor Paulo Pascoal, eleito depois como Diretor, veio uma ênfase salutar em Missões. Ele desenvolveu também a função de Director da MEVIC (Missão Evangélica Inter-Cultural) e dirigiu a última Campanha da organização de Billy Graham. Tendo muitos contactos interdenominacionais, o Paulo tendia naturalmente a trazer alunos de outras igrejas. Foi alvo de críticas na Convenção Baptista Portuguesa por não estar a respeitar suficientemente o caráter baptista da escola. A minha tendência (que trazia desde o meu tempo de trabalho do GBU) era congratular-me com essa ênfase. Mas queria, ao mesmo tempo, manter a firmeza teológica na doutrina. A tendência normal, de facto, não era interessar alunos de meios liberais ou ecuménicos, mas sim de igrejas pentecostais e neopentecostais. Alguns destes beneficiavam do que a escola lhes podia oferecer em seriedade doutrinária: outros não aguentavam esse desafio.

 

Ao longo de vinte anos, congratulei-me sempre com a ideia de que nunca teria de ser Director da escola, percebendo as enormes pressões envolvidas nesse ministério. Mas, como refiro no Retalho «Q», terminei por ser chamado a desempenhar essa função em 2012! Depois em 2014, altura em que a Celeste esteve gravemente doente, vários factores (não só a doença da Celeste) levaram-me a pedir a demissão da função. O novo modelo de liderança substituía a figura do Presidente do Conselho Diretivo – função esta que foi assumida pela pessoa mais claramente indicada, o professor Fernando Ascenso, que até hoje continua na sua função de coordenação. Mesmo no meio das dificuldades estou contente por ter tido algum tempo a servir nessa função de liderança e, ao mesmo tempo, agradecido por ter podido sair dela em maio de 2014.

 

Para mim dar aulas é uma experiência sempre enriquecedora. Procuro atualizar sempre o material que leciono e os métodos pedagógicos empregados. Não fui dos primeiros professores do STB a dar aulas com «power-point» mas, em anos recentes, quase não consigo ensinar sem poder dispor deste recurso. E o trabalho em grupos, com leituras diversas e partilha de conclusões, veio a substituir em boas parte o monólogo mais tradicional.

 

Os métodos participativos trazem por vezes situações inesperadas e divertidas que ficam na nossa memória. Numa ocasião, na disciplina de «Ética Cristã», quis considerar com a turma os argumentos a favor e contra as «mentiras de emergência», por exemplo quando é para salvar a vida a alguém. Organizamos uma encenação em que um aluno (que não fazia parte da turma) iria entrar na sala a fazer o papel de assaltante, com uma faca na mão, a perguntar pelo professor Alan. Entretanto o Professor Alan estava escondido atrás de uma coluna na sala. Os alunos da turma iriam dizer ao «assaltante» que o Professor Alan não estava («mentira de emergência»!). O que não tínhamos previsto é que havia um aluno na turma que chegou um pouco tarde, não sabia o que estava combinado e não conhecia o outro aluno que fazia o papel de assaltante. Como o «assaltante» fez o papel de forma extremamente convincente, este aluno que se atrasou acreditou que eu estava realmente em perigo. Apanhou uma cadeira e por pouco não a atirou com toda a força para cima do «assaltante»!

 

Uma faceta extremamente enriquecedora também tem sido acompanhar alunos que se preparam para o ministério e participar nos seus concílios examinadores para a consagração. Em algumas situações confesso que votei a favor de candidatos que depois se mostraram inaptos para o ministério. Mas percebi também que não havia praticamente nenhum colega meu que não tivesse participado em decisões de que depois se arrependeu. Uma lição importantíssima destas situações para mim tem sido a complexidade do coração humano – e a facilidade com que eu me posso enganar.

 

Muitos dos ex-alunos tiveram depois ótimos ministérios, ultrapassando de longe as capacidades dos seus professores em determinados aspetos da liderança. Um deles foi o João Manuel, que chegou a Portugal vindo de Angola nos anos 90, numa situação manifesta de má-nutrição, mostrando também na altura bastante introversão e timidez. Não parecia fácil que alguma igreja em Portugal o viesse a apoiar, dando-lhe oportunidades de serviço e ajudando a pagar as suas despesas. Sugerimos então que viesse ajudar em Caldas da Rainha! A experiência terminou por ser muito positiva e o João Manuel, além de se tornar um dos melhores alunos do Seminário na altura regressou depois ao seu país, passando a ser pastor e professor de teologia e vindo a ocupar um cargo de liderança na sua denominação.

 

Mais recentemente o nosso grande amigo Paulo Francisco, ainda antes de terminar o seu curso, foi chamado pela nossa igreja a fazer um estágio com o objetivo de ser consagrado e ser o meu sucessor no pastorado. Sentimos grande alegria em ajudar o Pastor Paulo e colaborar com ele, vendo o seu excelente desempenho na função de liderança, sem dúvida uma das melhoras satisfações que Deus nos tem dado nesta fase mais avançada da nossa vida!

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