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Quando os apóstolos do NT usam o termo «templo» estão a referir-se às pessoas que constituem a igreja de Cristo (1 Coríntios 3:16-17). Ou, então, Paulo compara o corpo do crente individual com um templo (1 Coríntios 6:19). Em ambos os casos o sentido é metafórico e o valor especial do «edifício» deve-se ao facto de o Espírito Santo morar nele.

 

Não há qualquer referência à possibilidade de as igrejas construírem templos, no sentido literal de edifícios para o culto, muito embora esta prática, com a passagem do tempo, se tenha tornado posteriormente uma necessidade para muitas comunidades cristãs.

 

Como já referi, chegámos a Caldas da Rainha, a uma igreja que não conhecíamos, no verão de 1991, para eu ser o seu pastor. A igreja tinha um projeto ambicioso, em grande parte desenhado pelo anterior pastor, para a construção de um novo «templo», num terreno cedido pela Câmara, perto da Universidade.

 

A igreja, que tinha na altura no seu rol uns 100 membros, já juntara (em termos muito aproximados) 10% do valor de que precisava. O meu antecessor, Pastor Diné René Lota, tinha desenhado um projeto para o levantamento de fundos a que chamava a «Campanha dos 300 Valentes». Vários membros da igreja falavam com grande entusiasmo desta campanha, baseada na história bíblica de Gideão que, com 300 soldados dedicados, foi dirigido por Deus para a vitória numa campanha aparentemente impossível contra a força dos midianitas (Juízes, cp.7).

 

A nossa obrigação então, segundo esta lógica, seria crescer numericamente como igreja e apelar, também, a pessoas conhecidas, na cidade e fora, que tivessem meios financeiros para contribuírem. Poderíamos atingir o número de 300 – e assim, com entradas diversificadas de acordo com a capacidade ou vontade de cada «valente», poderíamos vir a atingir a soma necessária para construção das nossas novas instalações.

 

O que aconteceu na realidade é que o novo pastor, Alan Pallister, muito menos dotado na questão de levantar fundos e com a prioridade declarada de construir a igreja, com base na exposição da Palavra, para que cada homem fosse maduro em Cristo (Colossenses 1:28), conseguiu assustar alguns dos 100 «valentes» já existentes! Alguns deles deram evidência clara de não terem passado por qualquer experiência de conversão. Quando em 1993, por motivos já explicados no Retalho J, uma boa parte dos jovens foi induzida pelos mais velhos a abandonar a igreja, o número ficou reduzido a cerca de 50. Depois, quando um projeto mais modesto de construção de um templo estava a avançar, o número de pessoas de facto comprometidas não passava de 30. E uma parte influente da liderança chegou à conclusão de que a saída do pastor era a única hipótese viável para poderem continuar com a construção.

 

Mas, nessa altura, foi interessante irmos de novo refletir sobre o exemplo bíblico de Gideão e os seus «300 valentes». O facto é que ensinar que esta passagem era um estímulo ao crescimento numérico da igreja, ou ao envolvimento financeiro de um número de simpatizantes, não fazia grande sentido! O que o texto conta é uma redução do número de combatentes – de 32.300 a 300 – baseada em critérios que põem à prova a seriedade dos combatentes e não deixa seguir os «cobardes e medrosos» (Juízes 7:3-7).

 

Vimos que o Pastor Diné tinha sido de certo modo profético no uso desta passagem – mas que a sua aplicação à situação da igreja e o seu projeto não era a que ele, nem nós, tínhamos entendido. Foi com o empenho de um grupo pequeno de membros dedicados, nenhum deles com grandes posses financeiras, mas todos eles unidos pelo sentir da mordomia total dos recursos que o Senhor lhes dera, que o templo veio a ser construído.

 

Foi especialmente amarga para nós a experiência de ter de lutar para não ser exonerado da função pastoral nessa altura. A parte da liderança da igreja que achou que poupar o salário pastoral (com a possível vinda de um «missionário» - isto é, um pastor não remunerado) era a única forma de poderem seguir com a construção. Não levavam em conta o facto de os verdadeiros valentes – os crentes que punham os seus bens à disposição e acreditavam que Deus iria suprir o resto – serem poucos, mas que esses apoiavam o ministério do seu pastor. Os outros queriam transigir, por exemplo, na questão dos casamentos mistos (ver Retalho J) e queriam um pastor com uma linha mais «tolerante», nesta questão e em outras, para «não afugentar os jovens».

 

Numa Assembleia Geral extraordinária em 1998, presidido pelo então presidente da Convenção Baptista Portuguesa, Pr. Manuel Alexandre Júnior, com a presença do conhecido líder e jurista, Dr. Fernando Loja, foi decidido por maioria de apenas um voto que eu iria permanecer como pastor da igreja. O facto é que tinha sido forçado, com base nos regulamentos da igreja, a aceitar a reunião, que contrariava nitidamente o meu sentido de vocação da parte de Deus. Depois, os que não viram o seu projeto aprovado quiseram impugnar a votação pelo facto de a família do pastor, membros da igreja, (os «interessados», como diziam) terem podido votar. Não tiveram pejo de juntar para essa votação pessoas que faziam parte do rol de membros, mas que há muito tinham abandonado a igreja. Com dificuldade foram dissuadidos, pelo próximo presidente da CBP, de moverem um processo em tribunal para exigir uma nova Assembleia com a mesma finalidade.

 

Os que deixaram a igreja, alguns sob disciplina, organizaram uma Missão, sendo para o efeito aceites como membros de uma outra igreja baptista próxima (situação com a qual discordámos, como é óbvio). Durante vários anos, reuniram-se nas instalações antigas da igreja, pagando uma renda já aumentada, e justificando a sua existência como grupo pela discordância com o pastor da igreja.

 

Não tendo a nossa família entradas financeiras regulares que cobrissem todas as áreas sob a nossa responsabilidade, inclusive a educação de quatro filhos, sentíamos que, mesmo assim, poderíamos usar parte da modesta herança que vinha dos meus pais para emprestar, sem juros, à igreja o valor necessário para cobrir as despesas que se estavam a fazer na construção, que necessariamente iriam muito além das reservas disponíveis e de outros empréstimos recebidos. O pequeno grupo de «heróis da fé» («valentes»!) da nossa igreja que permaneceu junto nesse período de desafios - com alguns outros que se juntaram depois – aceitou em fé o desafio de amortizar os empréstimos recebidos num período de 10 anos. Ao mesmo tempo, os que se afastaram deram ouvidos a um boato que foi lançado, acusando pastor e esposa de se terem apropriado de fundos que estavam destinados ao templo para uso pessoal – boato este que era totalmente falso!

 

Houve uma ou outra oferta de amigos no estrangeiro, mas bem mais de 90% do dinheiro que entrou foi fruto de ofertas angariadas em Portugal.

 

O resultado deste passo de fé foi a inauguração das novas instalações da igreja em 2001 e o pagamento completo de todas as dívidas em 2011, sendo este período de 10 anos exatamente o tempo previsto.

 

Tem sido gratificante em anos recentes – o período em que o Pastor Paulo Francisco lidera a igreja – ouvir alguns dos jovens que não seguiram nos anos 90 o nosso conselho contra os casamentos mistos, terem mostrado a sua compreensão das razões que nos levaram a tomar essa posição. Tem sido gratificante alguns adultos admitirem que os boatos que ouviram, e durante anos aceitaram, a nosso respeito, afinal eram falsos e pedirem de novo a integração como membros da igreja.

 

 Tem sido gratificante ver a igreja a abraçar um novo projeto social a favor de famílias desfavorecidas e pessoas com tendências para o suicídio. Em que local? Exatamente no espaço, alugado de novo, das antigas instalações da igreja. Essas, durante alguns anos, foram um testemunho da divisão do povo de denominação baptista em Caldas da Rainha. Agora são testemunho da união!

 

Vimos a igreja chegar a este ponto de união e compromisso, com ministérios diversos que, na fase da vida em que estamos agora, não poderíamos ter promovido.

 

O nosso Senhor deu-nos a capacidade de perdoar, no caso daqueles que por qualquer motivo nos tinham ofendido e, das mais diversas maneiras, tentamos demonstrar de formas tangíveis esta atitude de perdão, mesmo muito tempo antes de eles reconhecerem as ofensas cometidas.

 

Vimos que o primeiro promotor, tanto do crescimento e unidade do «templo» (corpo ou congregação de crentes), como da situação do «templo» físico (as novas instalações de que precisávamos), foi Jesus Cristo - aquele que ama a Sua igreja e deu a Sua vida por ela.

 

Mas foi para nós um prazer inesquecível pastorearmos um grupo reduzido de «valentes» que, identificando-se com as Suas prioridades, aprenderam a viver e a trabalhar juntos no Seu amor!

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