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Ficou sempre comigo o impacte que senti quando, ao ir estudar na Universidade de Cambridge, encontrei a CICCU (Cambridge Inter-collegial Christian Union) – o equivalente do GBU em Portugal – que era interdenominacional e tinha uma base doutrinária bem clara em pontos essenciais. Com uns 400 estudantes a participar nas reuniões semanais de exposição bíblica de sábado à noite, deixou-me impressionado. A verdade é que havia baptistas, anglicanos, «irmãos», metodistas, pentecostais e independentes, entre outros. Diferenças doutrinárias tão óbvias como a do batismo (infantil ou de crentes), os dons espirituais, o tipo de governo eclesiástico, etc., não pareciam interferir com a união profunda de estudantes que aceitavam e honravam Jesus como o Salvador e Senhor das suas vidas. Eu vinha do meio metodista, mas nunca tinha sentido incutido em mim um espírito exclusivo em questões de denominação.

 

A família da Celeste conheceu o evangelho através da igreja presbiteriana (ela é neta do falecido Manuel Gomes, um dos fundadores da Igreja Presbiteriana de Bebedouro). Mas, quando a sua família passou a morar em Coimbra, não havendo ainda alí igreja presbiteriana, passaram naturalmente a frequentar um pequeno núcleo de baptistas em casa do Dr. António Maurício. Quando a Celeste se converteu, foi baptizada por imersão, mas sem de modo nenhum pôr em causa a boa fé de crentes dedicados ao mesmo Senhor, cujo batismo tinha sido por aspersão na altura da sua conversão.

 

As reuniões de estudantes do então chamado MEEP (Movimento de Estudantes Evangélicos de Portugal) foram uma boa oportunidade de ela conhecer crentes dos Irmãos, da Assembleia de Deus e da Igreja do Nazareno. E não eram 400! Eram uns quatro ou seis estudantes das diferentes igrejas, que se reuniam para orar, nos domingos de manhã, antes das Escolas Dominicais e/ou dos cultos das respetivas igrejas. Quando havia questões de doutrina entre os membros do grupinho, eram tratadas abertamente, com respeito pelas diferenças e com uma visão comum da base de doutrinas mais importante que os unia.

 

Em Cambridge a questão mais fraturante que existia era a da doutrina pentecostal do batismo no Espírito Santo e dos dons espirituais, especialmente o de línguas. Conheci um grupo de «carismáticos» que me incentivaram a procurar este batismo e o resultado foi que senti uma grande libertação das minhas inibições e um grande entusiasmo para falar com todos acerca de Cristo. E, durante um tempo, falei em línguas – ou, pelo menos, achei que era isso que me estava a acontecer. Na euforia desta «segunda bênção», também eu senti superioridade, inclusive em relação aos expositores bíblicos que vinham aos sábados à noite (em alguns casos pessoas célebres como J.I. Packer e J.R.W. Stott) que, na minha maneira de ver na altura, não tinham recebido essa importante bênção do Espírito.

 

Pela graça de Deus a CICCU não se dividiu, apesar de haver fortes divisões de pensamento entre os «carismáticos» e os crentes mais conservadores. E eu, através dos estudos exegéticos de textos do NT, passei a compreender que o batismo no Espírito Santo não é uma «segunda bênção», nem é necessariamente evidenciado pelo dom de línguas. Mesmo assim, mantive sempre uma grande vontade de respeitar e manter a comunhão com crentes de doutrina pentecostal, não supervalorizando a diferença e reconhecendo a importância de, nas igrejas, haver abertura para todos os dons espirituais referidos na Bíblia. E Packer e Stott, com outros da sua craveira, voltaram a ser referências no seu ensino e exemplo!

 

Com esta preparação de parte a parte não era de admirar que a Celeste e eu quiséssemos frisar com ênfase que o GBU era um movimento interdenominacional. E, para a nossa alegria, estudantes muito válidos das Assembleias de Deus aderiram ao movimento, havendo pastores nesse meio que manifestaram também a sua confiança. A nível de obreiros, tivemos dois casais noruegueses, de denominação luterana, Häkon e Sissel Bech-Sorensen e Oivind e Tone Benestad, que se identificaram sem qualquer dificuldade com o movimento.

 

Como crente reformado entendi que a vontade que o Senhor declara a favor do Seu povo é soberana e irá cumprir-se. Por isso, longe de «levantar uma bandeira calvinista», contra os arminianos à minha volta, sinto uma identificação profunda com a oração sacerdotal de Jesus, muitas vezes citada por Francis Schaeffer:

 

E não rogo somente por estes, mas, também, por aqueles que, pela sua palavra, hão-de crer em mim; para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um, em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste (João 17:21-22).

 

Nesse espírito também aceitamos o convite do Pastor José Gonçalves, diretor da «Agape» (anteriormente «Movimento Estudantil e Profissional para Cristo») para sermos coordenadores, a nível da zona, da Campanha Evangelístico «Aqui há Vida».

 

Entendi que a proposta ecuménica do Conselho Mundial das Igrejas – e de alguns católicos – não se enquadrava dentro do espírito dessa oração de Jesus, por não requerer uma submissão total às Escrituras, como Palavra inspirada e infalível de Deus. Havia na altura um grupo embrionário do Movimento Académico Cristão, ligado a igrejas do Conselho Português de Igrejas Cristãs (COPIC), com o qual tentámos manter algum diálogo, mas sem sentir plena identificação.

 

Nos anos 80 na altura em que os movimentos Maná e Igreja Universal do Reino de Deus irromperam com força em Portugal, senti também que estavam a ultrapassar os limites daquilo que legitimamente podia ser chamado evangélico. Senti o drama da divisão provocada no meio pentecostal, devido à dificuldade que muitos irmãos tinham em defender dons espirituais e milagres, mas sem ir para o extremo de anunciar que Deus garantia saúde e prosperidade nesta vida a todos os que tivessem fé em Jesus. Publiquei na altura um pequeno livro, com o título «O Evangelho de Saúde e de Prosperidade», que foi bem recebido nas igrejas. A segunda edição incluía um prefácio do Pastor José de Oliveira Pessoa, conhecido líder nas Assembleias de Deus. Recentemente uma nova versão ampliada deste livro foi publicada com o título «Os Lucros da Fé».

 

A Celeste era membro da Igreja Baptista de Coimbra, da qual eu também, com bastante alegria, me tornei membro. Ela foi a minha primeira professora – e a mais eficaz – na questão do dízimo! Depois, ao ser consagrado ao ministério pastoral em 1991, era natural que esse ato fosse divulgado entre as igrejas da Convenção Baptista Portuguesa, embora tivesse alguma pena de igrejas baptistas fora desse grupo não terem sido também representadas. Como pastor, e como professor no Seminário, defendi sempre convicções chamadas «conservadoras» a nível de doutrina, com abertura para outras denominações que valorizavam a Bíblia da mesma forma.

 

No Seminário encontrei um ambiente de disputa, por causa de dois professores que abertamente defendiam uma posição mais liberal em relação ao texto bíblico (ver Retalhos ‘S’, onde conto as soluções que foram encontradas).

 

Depois, em Caldas da Rainha, tentámos mostrar um espírito de comunhão e abertura para as outras denominações evangélicas. Recentemente, em 2017, tivemos a alegria de organizar, com igrejas de três denominações, um evento para celebrar os 500 anos da Reforma. Assim chegou ao fim um período longo em que a Assembleia de Deus, por questões de costumes (principalmente questões da forma de vestir das senhoras e meninas na igreja), se tinha mantido fechada. E, tanto no «Canto da Rola», o pequeno Centro que dirigimos, baseado no exemplo dos centros «L’Abri» da família Schaeffer, como no nosso contacto com o atual grupinho anglicano na zona de Caldas da Rainha, tentamos manter o mesmo espírito interdenominacional, sempre pautado pela centralidade das Escrituras.

 

Nos anos 80 tivemos o privilégio de conhecer o pioneiro evangélico, José Ilídio Freire, que, sendo dos «Irmãos», se dedicou tanto a criar pontes com as diversas denominações. Este irmão era caloroso e tinha o dom de encorajar. Termino com o hino da sua autoria que tanto nos inspirou em diferentes alturas:

 

«Um só rebanho, um só Pastor, uma só fé em um só Salvador, em Teu amor unidos aqui, num mesmo Espírito vamos a ti (bis).

Um só rebanho, um só Pastor, fruto, ó Senhor, desse Teu grande amor. Só nos gloriamos na Tua cruz, sê Tu louvado, bendito Jesus! (bis).

Um só rebanho, um só Pastor. Ó Cristo, és digno do nosso louvor. Tu és o íman que nos atrai e só por Ti adoramos o Pai (bis).

Um só rebanho, um só Pastor. Nós esperamos por Ti, ó Senhor. É face a face que vamos ver quem nos amou e por nós quis morrer (bis)»

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