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Um estudo cuidadoso dos reavivamentos na Inglaterra do século XVIII revela três nomes principais de servos que Deus usou para despertar a nação: os irmãos John e Charles Wesley e George Whitefield. Na igreja metodista em que fui criado era raro o domingo em que não se cantava pelo menos um dos hinos de Charles Wesley. O seu conteúdo doutrinário era bastante profundo – e eu esforçava-me por acompanhá-los no pequeno harmónio. Mas o irmão mais velho, John Wesley, era constantemente citado do púlpito como pregador, organizador, autor e líder espiritual do Metodismo: era quase como se ele estivesse ainda a presidir como autoridade máxima da denominação, mais de 150 anos depois do seu falecimento.

 

Áreas em que a influência de John Wesley ainda penetrava o meio metodista em que fui criado incluem as seguintes:

 

(i) A divisão cuidadosa do país em «districts» (distritos), «circuits» (circuitos) e «sections» (seções). Cada circuito tinha congregações pequenas espalhadas em muitas terras, integradas num plano de trabalho em que a maioria dos pregadores eram leigos («local preachers») mas havia, também a visita periódica aos cultos dos três «ministers» («pastores ordenados») do circuito. Estes, entretanto, faziam o trabalho da visitação pastoral, alguns com muita diligência. Era impressionante o número de aldeias e localidades pequenas que ainda tinham a sua capela metodista.

(ii) Os pregadores leigos eram treinados através de cursos ministrados localmente e, só depois de fazerem um exame escrito e serem ouvidos numa pregação («trial sermon»), eram admitidos como pregadores qualificados. O meu pai concluiu este processo com sucesso em 1917 (já há mais de 100 anos!), continuando a pregar até ao fim da década de 70. Eu colaborei na pregação só como ajudante: nunca participei num curso de preparação.

(iii) A ênfase na vida cristã como experiência forte e marcante na vida. Wesley tinha experimentado a sua conversão numa reunião em Aldersgate Street, Londres, em que o seu coração foi «estranhamente aquecido» no dia 24 de maio de 1738. De facto, esta experiência ainda servia algumas vezes de referência quando eram feitos apelos para que aceitássemos o Evangelho publicamente.

(iv) Falava-se muito nesse meio em «class meetings», encontros de estudo em lares, em que os crentes não só estudavam a Bíblia num grupo mais restrito, mas também se abriam, falando sobre a sua experiência de andar com o Senhor ao longo da semana. Uma pessoa de maturidade reconhecida iria dirigir cada «class». Estas reuniões em geral já não se faziam no meu tempo, tendo sido substituídas por reuniões em dias da semana («fellowship meetings») nas instalações da Escola Dominical da igreja. Numa fase, no calor da minha conversão, ajudei a dinamizar estas reuniões na minha aldeia que, assim, voltaram a ser celebradas em lares e – também - ajudei a organizar reuniões de estudo bíblico em casas para jovens na zona.

 

Continuo a admirar sinceramente a singular figura de John Wesley, que Deus usou para fundar um movimento com impacte transformador tanto em zonas urbanas como nas rurais. Tenho consciência, ao mesmo tempo, de que nem todos os movimentos de reavivamento foram forçados a sair da Igreja Anglicana. Mesmo no século XVIII surgiram movimentos de renovação dentro da Igreja oficial anglicana, que tinha e continua a ter até hoje os seus pastores de profunda convicção evangélica.

 

O que me custa compreender agora, depois de ter estudado mais um pouco da história do cristianismo, é o facto de o outro grande evangelista do século XVIII, George Whitefield, quase não ter sido mencionado nos meios em que fui criado. Também este foi fundador do metodismo, com um impacte marcante e duradouro. É difícil calcular qual dos dois o Senhor terá usado para o despertar espiritual de mais pessoas ou quantas igrejas terão sido fundadas como o resultado do trabalho evangelístico de um e de outro.

 

No aspecto familiar, passei a saber (muito tempo depois!), que Wesley tinha tido um casamento infeliz, desenvolvendo praticamente todo o seu ministério itinerante numa situação de separação conjugal (mas sem qualquer suspeita fundamentada de ele ter sido infiel à sua esposa). George Whitefield chegou perto do casamento numa altura, mas terminou por optar pelo celibato – sem dúvida uma opção melhor para o tipo de ministério itinerante que marcou constantemente a vida de ambos.

 

No aspecto doutrinário, Wesley ensinou o perfeccionismo, a possibilidade de o crente poder atingir uma «segunda bênção» de perfeição cristã nesta vida (embora tenha tido o bom senso de não afirmar que ele próprio a tivesse atingido!). Whitefield não defendia esta posição.

 

Como pioneiro do «metodismo», Whitefield tem a vantagem tanto de se ter convertido antes dos irmãos Wesley, como também de ter dado o passo de pregar ao ar livre (passo este que representava um risco muito grande na época) antes deles. Mas nem ele nem os Wesleys pretenderam abandonar a igreja oficial.

 

Confesso que para mim, também a doutrina calvinista defendida por Whitefield representa mais fielmente o ensino das Escrituras do que o «arminianismo» associado com o nome de Wesley. Creio que posso afirmar que até aos 18 anos nunca tinha ouvido falar do calvinismo – e muito menos tinha consciência do facto de igrejas calvinistas metodistas terem sido fundadas no século XVIII! Whitefield usou pouco o rótulo de «calvinista», mas de facto as suas convicções sobre a graça de Deus eram as mesmas que as do grande reformador Calvino.

 

Ouçamos a sua declaração sobre essas doutrinas:

 

«Espero que peguemos fogo uns aos outros, e que haja uma santa emulação entre nós, quem é que abaixará mais o homem e exaltará mais o Senhor Jesus. Nada, a não ser as doutrinas da Reforma, pode fazer isto. Todas as outras (posições) deixam o livre arbítrio no homem e o tornam, pelo menos em parte em Salvador para si próprio. Oh minha alma, não te chegues perto do segredo daqueles que ensinam essa coisas…. Eu sei que Cristo é tudo em tudo. O homem não é nada: tem um livre arbítrio para ir para o inferno, mas nenhum para ir para o céu, até que Deus opere nele para desejar e fazer o Seu belo prazer» (obras de Whitefield, citado em George Whitefield, Arnold Dallimore, Banner of Truth, 1970, p. 407).

 

Quando John Wesley ouviu que o seu amigo e colega estava a ensinar a doutrina calvinista, publicou o seu sermão sobre a «Graça Livre» em que se opôs às doutrInas da eleição e da reprovação, e falou «na blasfémia claramente contida no decreto horrível da predestinação» («Wesley and Whitefield», Maldwyn Hughes, 1912). Whitefield escreveu uma carta em que exortou o seu colega a não disputar, nem defendendo a perfeição absoluta, nem condenando a doutrina da eleição, até dominar bem os temas. Mas, como Wesley se julgou seguro nas matérias, persistiu na polémica, o que deu origem a um endurecimento de parte a parte. Aqui, como é natural, os biógrafos que se inclinam para as posições de Wesley tendem a condenar a atitude agressiva de Whitefield e os que se inclinam para Whitefield a condenar as de Wesley!

 

Mas a verdade é que as doutrinas da eleição e da predestinação indubitavelmente existem na Bíblia (ver textos de Efésios 1 e Romanos 9, por exemplo). Julgo que teria sido mais sábio da parte de Wesley ter constatado este facto, não condenando as doutrinas em si, mas considerando com o seu colega qual seria a interpretação mais correta dos textos!

 

Tendo sido criado no meio metodista, de influência wesleyana, foi uma descoberta importante para mim quando, aos 18 anos, pela primeira vez conheci as «doutrinas da graça». Curiosamente um dos pastores, Derek Cooper, que veio pastorear as igrejas na zona dos meus pais, também assumia uma posição calvinista e deu-me bastante apoio.

 

Whitefield era um evangelista de tal modo apaixonado que deu menos atenção do que Wesley a questões de organização eclesiástica. Quanto mais refletia sobre o facto de Deus ter decretado a salvação dos eleitos, mais se empenhava em pregar o evangelho a todos. Neste contexto, parece de certo modo ridícula a objeção que alguns levantam à doutrina reformada, afirmando que torna desnecessária a evangelização. Para Whitefield, que tomava a Grande Comissão de Jesus como uma ordem divina, era uma simples questão de obediência.

 

Com todos os prejuízos que a separação entre os dois evangelistas criou para o movimento de reavivamento, é curioso ver como Deus os ajudou a ultrapassar em alguns momentos as suas posições rígidas. Em 1770, chegou a Wesley a notícia de que Whitefield, o seu colega mais novo, tinha falecido. Um seguidor zeloso de Wesley perguntou-lhe se contava encontrar Whitefield quando chegasse ao céu. Wesley deu uma resposta negativa, que parecia confirmar os sentimentos de quem lhe dirigiu a pergunta.

 

«Não conto ver Whitefield no céu», explicitou Wesley, «Porque ele deverá estar tão perto do trono de Deus, e eu devo estar tão longe, que não irei conseguir avistá-lo!».

 

Uma bela lição de humildade que ficou comigo ao longo dos anos, ajudando-me a tomar posições doutrinárias claras, mas, a nível do meu relacionamento com irmãos evangélicos, não anatematizar aqueles que, respeitando a autoridade suprema da Palavra, a interpretam (nestes pontos e em outros) de uma forma diferente.

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