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Em setembro de 1972 o mundo ficou chocado quando, em plenos Jogos Olímpicos em Munique, o grupo terrorista «Setembro Negro» tomou como reféns onze membros da equipa israelita e os assassinou, juntamente com um polícia alemão.

 

Na altura eu, com 21 anos, estava em Munique com uma equipa de uns 20 alunos do GBU de Cambridge, integrada numa equipa maior de cerca de 1000 jovens com «Youth with a Mission», todos empenhados na evangelização dos espetadores de todos os continentes que se encontravam na cidade.

 

O «Irmão André» (famoso autor de «O Contrabandista de Deus») afirma (no seu prefácio ao livro «To Munich with Love», de Bob Owen, Revelation Press, 1972) que tinha previsto esse ato de violência:

 

«Este não é um mundo para piqueniques…. para desporto… para recordes. Mas é um mundo em guerra, e por isso devemos ser agressivos, corajosos e sem nos comprometermos em dar a conhecer as reivindicações de Jesus Cristo», op. cit., p.9.

 

A nossa experiência e a da equipa maior de jovens, a seguir aos assassínios, foi presenciar uma mudança dramática de ambiente em toda a Aldeia Olímpica. No meio da consternação generalizada, tornou-se para nós natural falar com as pessoas acerca do pecado e do julgamento. As pessoas queriam saber como é que uma equipa de jovens podia viver em paz e transmitir paz aos outros, no meio de uma situação de tanta tensão. Em plena estação central de comboios de Munique, o grupo de 1000 cantava «É Senhor, é Senhor, ressuscitou de entre os mortos e é Senhor. Todo o joelho se dobrará, toda a língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor».

 

A equipa de Cambridge deslocara-se a Munique num autocarro com dois andares, comprado em Londres. Isto envolveu os líderes nuns passos de fé extraordinários - dados sem nem sequer o plano da compra ser anunciado publicamente. Nesse belo veículo, bem antigo, que ostentava em várias línguas as palavras «Jesus Cristo é Senhor», seguimos caminho pela Bélgica e pela Holanda - onde perdemos uma parte do teto do veículo, por não termos sabido antecipadamente da altura das pontes na auto-estrada! Dirigíamo-nos a Copenhaga, para uns dias de evangelização nas ruas onde florescia o negócio da pornografia, mas fomos obrigados a deixar o autocarro na fronteira da Dinamarca, seguindo a nossa viagem de ida e volta à capital de comboio.

 

As minhas reflexões sobre a YWAM (conhecido entre nós hoje como JOCUM, «Juventude com uma Missão») naturalmente têm a ver com o movimento que conheci na altura e não com a sua realidade atual, que mal conheço. (Mesmo assim, foi gratificante recebermos em 2012, no «Canto da Rola», a equipa portuguesa que tinha estado a evangelizar em Londres, exatamente 40 anos depois das nossas aventuras em 1972!)

 

Tentarei partilhar as lições positivas - e algumas menos positivas – que recebi daquela experiência marcante.

 

 

ASPECTOS POSITIVOS:

 

(1) A YWAM tinha – e a situação em Munique favoreceu – uma noção correta do pecado no coração humano e do facto de o julgamento de Deus, que aguarda todo o homem não-arrependido, ser justo. No livro «To Munich with Love» (p. 71), o autor conta como o evangelista Don Stephens evangelizou e levou a Cristo uma jovem mãe-solteira. Diz que ela orou assim:

 

«Senhor Jesus…. Eu fiz tantas coisas que eram igualmente graves ao que estes terroristas fizeram…. Nunca matei ninguém, mas causei a mesma dor e tristeza no coração das pessoas».

 

Não contendo mais a sua emoção, ela rompeu a chorar: «Perdoar-me-ás …… Jesus…. podes perdoar-me…. por favor…?»

 

E o livro conta como ela recebeu logo o perdão de Deus. Acrescenta que só por causa daquela mulher («uma pecadora arrependida») todo o esforço evangelístico de Munique teria valido a pena.

 

 

(2) O GBU em geral tinha alguma visão da evangelização mundial, mas esta aparentemente foi ultrapassada de longe pela visão dinâmica do diretor internacional da YWAM, Loren Cunningham (que recebemos em Cambridge, mas que só foi aceite por alguns setores!) e pelos que o acompanhavam na liderança do movimento. Loren era surpreendentemente calmo na sua abordagem pessoal. Mas por influência da YWAM, muitos jovens faziam planos para ir aos extremos da terra, com pouco tempo de preparação e diminuta provisão financeira. Foi a YWAM que Deus usou para me levar a mudar de país, a seguir à minha licenciatura, oferecendo-me sem reservas para o serviço do Senhor num país novo – no caso Espanha. (Só que, ao ir, preferi a opção de estar num projeto do GBU – sentindo-me mais seguro com a sua ênfase na doutrina e no ensino bíblicos).

 

(3) Embora «carismáticos», os «YWAMmers» sabiam que o caminho do Senhor não é um mar de rosas repleto de facilidades e de riqueza financeira. Não se previa que, alguns anos depois, o termo «carismático» iria significar para muitos um movimento comprometido com a chamada Teologia da Prosperidade. Para o alojamento da equipe grande da YWAM, o Senhor tinha providenciado perto de Munique – através de muitos milagres – um magnífico castelo, Schloss Hurlach. Mas a dieta dos jovens era bastante inadequada, como os de Cambridge rapidamente constataram ao ver os seus colegas almoçarem apenas uma maçã cada um, com uma sandwich de compota e manteiga de amendoim! Na equipe de Cambridge não nos sentimos capazes de assumir uma dieta tão frugal, e propusemos que a equipe passasse a preparar as suas próprias refeições, com uma dieta mais completa e equilibrada!

 

 

ASPECTOS MENOS POSITIVOS:

 

(1) YWAM era interdenominacional – mas tinha o envolvimento de jovens de uma linha extremamente «pentecostal» que nos incentivavam a procurar milagres instantâneas. Se a preocupação não era o bem-estar e a prosperidade, era de certeza contar com milagres rápidos, a curto prazo, correspondentes à urgência que cada um sentia. Nunca me esqueço do dia em que – no lugar onde estávamos hospedados em Copenhaga – uns jovens proclamaram em alta voz que estavam impacientes porque os panos que estavam a usar para limpar a louça estavam molhados e não havia mais panos secos. Reclamaram em alta voz um milagre de Deus – para os panos ficarem secos instantaneamente! Assim poderiam terminar o trabalho mais rapidamente e seguir de imediato para a evangelização, que era a sua tarefa prioritária. Não fiquei a saber se realmente sucedeu esse “milagre” ou não!

 

(2) Alguns dos participantes no treinamento recebido no Schloss Hurlach ficamos perplexos com o ensino de uma das doutrinadoras sobre a questão de como o crente «ouve a voz de Deus». Com alguma agitação (um estilo que contrastava com o de Loren Cunningham) ela parecia considerar que a maioria dos jovens participantes não estariam a ouvir a voz de Deus e estariam de algum modo bloqueados na sua vida e compromisso com Cristo por causa disso. Um pouco à semelhança do ensino posterior nos encontros do chamado «G12», parecia querer considerar como nula a experiência já existente do cristão, partindo do zero para nos lançar na aventura de andarmos num diálogo constante com o Senhor. Depois, numa certa reação contra esta ênfase, veio à minha mente a afirmação de Romanos 8:14 - «todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus» e João 10:27 - «As minhas ovelhas ouvem a minha voz». O desvalorizar a experiência normal dos que genuinamente são filhos de Deus é uma tendência perigosa de muitas seitas. Verifiquei que poderia ser também a fonte de perturbações sérias em crentes sensíveis – especialmente nos que tinham uma auto-estima baixa. Não sei, no entanto, em que medida o diretor internacional e outros líderes do movimento terão partilhado esse ensino distorcido.

 

Ao longo da minha vida tenho sentido sempre uma grande admiração por aqueles que deixam tudo no seu entusiasmo de seguir Jesus: ambições académicas e materiais, segurança financeira, família, etc. Não acompanho os meus irmãos pentecostais na sua doutrina específica do batismo no Espírito Santo evidenciado pelo dom de línguas. Mas também não padeço da tendência racionalista que faz com que muitos irmãos, doutrinariamente conservadores, reprovem os aspetos positivos do pentecostalismo, inclusive os dons de profecia, línguas e cura divina. Depois recebi influências mais reformadas na minha doutrina – mas sem achar que estas eram necessariamente incompatíveis com o «fogo» com que Munique nos afetou.

 

No fim do seu livro, Bob Owen refere os efeitos duradouros da evangelização da YWAM em Munique:

 

«Alguns destes jovens já voltaram a casa – com uma visão maior do que nunca – de infetar todos os que contatam com os mesmos fogos de reavivamento que arderam em Munique…

 

Outros foram aos confins da terra – à Rússia, à Roménia, à Itália, a Irão, a Afeganistão, à Indonésia – aos lugares mais longínquos da terra…

 

E aí, também, eles espalharão os fogos da evangelização».

 

Por causa de Munique fui depois para Espanha .... e lá fiquei quatro anos. Disso não me arrependo, mesmo que depois tenha sido levado a outro país vizinho – para ficar mais de quarenta!

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