Este conhecido missionário, teólogo e escritor que, aos 87 anos, faleceu a 26 de Novembro de 2016, tem sido uma figura marcante na vida dos evangélicos no Brasil, desde que iniciou o seu ministério naquele país em 1962. O que nem todos os portugueses sabem, mesmo os que conhecem e apreciam a sua obra, é que antes disso ele foi missionário aqui em Portugal, deixando marcas que alguns crentes, inclusive pastores, lembram com grande carinho.
Filho de missionários americanos na Bolívia, Russell Shedd estudou Teologia em Wheaton College, Illinois, deslocando-se depois para Edimburgo, Escócia, onde se doutorou. Em 1955 lecionou Novo Testamento no Southeastern Theological Seminary dos Estados Unidos. E, em 1957, casou com Patricia Dunn.
Foi nessa altura que o jovem casal aceitou o desafio de serem ambos missionários da Conservative Baptist Missionary Society em Portugal, servindo lado a lado com o Dr. Samuel Faircloth. Foi professor de Novo Testamento no Seminário de Leiria onde fundou também as Edições Vida Nova. Entre outras obras importantes que foram traduzidas e depois publicadas, estão incluídos o Novo Dicionário da Bíblia e o Novo Comentário da Bíblia. Depois, já no Brasil, o Dr. Shedd deu continuidade a esta editora que, entretanto, se desenvolveu de uma forma notável. Enquanto serviu aqui, conjugou as tarefas da Educação Teológica com a Evangelização.
O Pr. João Serafim Regueiras, que na altura tinha 15 anos, relembra a passagem dos missionários Faircloth e Shedd pela casa dos seus pais, José e Nena Regueiras, na Maceira (perto de Pero Pinheiro), onde davam estudos bíblicos. Estes estudos eram à noite e ele diz que depois o Dr. Shedd, ao sair da sala (que na altura não tinha eletricidade), costumava ficar à entrada e, olhando para o céu, falava para os presentes sobre a grandeza do Criador. A missão de Maceira, da Igreja Baptista de Morelena, foi depois acompanhada durante anos pelo Pr. Jorge Leal, genro do casal Regueiras (e ex-aluno do Dr. Shedd no Seminário). Apesar de alguns altos e baixos a Missão continua até hoje, sendo agora pastoreado pelo Pr. Marco Gaspar.
Em anos mais recentes, o Dr. Shedd veio ministrar novamente em Portugal, a convite do Instituto Bíblico Português e, depois, da Convenção Baptista Portuguesa e do Seminário Baptista. Na Conferência Bíblica em Agua de Madeiros foi o orador convidado em 2012 e 2013, ministrando com grande convicção e sentido pastoral, e deixando os ouvintes impressionados com a sua energia numa idade já avançada. Nesses dois anos ele teve a gentileza de oferecer o valor das suas deslocações para ajuda aos alunos do Seminário Baptista. Assim foi criado o Fundo Shedd, que serviu para aliviar as dificuldades financeiras de vários estudantes nesse período.
Numa altura estive a assistir às palestras do Dr. Shedd no IBP. Resolvi oferecer-lhe um exemplar do meu livro «Ética Cristã Hoje», na altura recém-publicado aqui, na sua primeira edição. Algum tempo depois, para minha surpresa, fui contactado pelas Publicações Shedd, dirigidas pelo Ir. Edmilson Bezerra (genro do Dr. Shedd), dizendo que não havia muitos livros evangélicos publicados no Brasil sobre temas éticos, e pedindo autorização para adaptarem o texto ao português do Brasil, para ser publicado pela Shedd. Essa versão do livro teve alguns anos depois uma segunda edição (antes de ser publicado de novo aqui, numa nova versão ampliada e atualizada, com o co-autor Samuel Cerqueira). Sinto-me muito honrado por o livro ter merecido a sua atenção.
Uma das áreas da teologia em que a obra do Dr. Shedd me marcou mais foi na da escatologia. Foi ele que me ajudou a situar-me numa área em que as teorias da interpretação são muito variadas, mesmo entre evangélicos conservadores. Ajudou-me a focar no essencial, evitando um excesso de dogmatismo em aspetos mais controversos. Assim, termino com a afirmação do Apóstolo Paulo de um desses pontos essenciais, a nossa esperança da ressurreição, que é de especial conforto quando irmãos que amamos, como o Dr. Shedd, passam pelas experiências difíceis de enfrentar a doença, a debilitação da velhice e a morte:
«Porque convém que isto, que é corruptível, se revista da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revista da imortalidade…. então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Mas, graças a Deus, que nos dá a vitória, por nosso Senhor Jesus Cristo» (1 Coríntios 15:53-57).
Alan Pallister