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Amor Supremo

As sete frases de Jesus na cruz

Os derradeiros momentos da vida de uma pessoa são quase sempre marcados pela solenidade, e habitualmente dá-se bastante importância às últimas palavras proferidas por um moribundo. Estas, perante a inexorável aproximação da morte, por norma acabam por ser reveladoras quanto àquilo que verdadeiramente o moveu durante a sua existência terrena e à esperança que acalenta, ou não, em relação à eternidade.

 

Se damos uma atenção particular às derradeiras declarações dos simples mortais, muito maior relevo devemos dar às do Filho de Deus encarnado.

 

As últimas frases de Jesus, proferidas na cruz em que foi pregado por soldados romanos no Monte do Calvário, às portas de Jerusalém, há quase 2000 anos atrás, encontram-se registadas nos evangelhos e evidenciam a mais profunda essência do Filho de Deus, a qual sempre se manteve constante, antes, durante e depois deste acontecimento fulcral para a História do mundo: um amor supremo pelo Pai e pelos homens.

 

Apesar de, durante o Seu acto sacrificial, ter carregado sobre Si os pecados de toda a humanidade e ter sido fustigado, num sofrimento para nós inimaginável, pelo castigo exigido pela justiça de um Deus inteiramente santo, Jesus, ainda assim, encontrou espaço para se ocupar daqueles que o rodeavam junto à cruz. As três primeiras frases manifestam a Sua preocupação para com eles.

1. “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” (Lucas 23:34)

No início do Seu ministério, cerca de três anos antes, Jesus pregara algo no Sermão do Monte que certamente soara estranho aos ouvidos dos judeus que O escutavam:

 

“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (Mateus 5:43-44).

 

Muitos dos que ouviram Jesus naquela altura, não O reconhecendo como o Filho de Deus e estando acostumados ao espírito prevalecente do Velho Testamento ("olho por olho, dente por dente" - Levítico 24:20), terão certamente considerado o Seu discurso pouco realista e mesmo ingénuo, duvidando que o Orador pudesse efectivamente transpor para a prática aquilo que pregava.

 

Agora, mais do que nunca, chegara o momento de Jesus demonstrar a fidelidade à Sua mensagem: os Seus inimigos prenderam-n’O, apresentaram falsas testemunhas contra Ele, cuspiram-Lhe no rosto, deram-Lhe murros, esbofetearam-n’O, escarneceram d’Ele, pediram a Sua morte, açoitaram-n’O, despiram-n’O, puseram uma coroa de espinhos sobre a Sua cabeça e crucificaram-n’O (cf. Mateus 26:47-68, 27:11-50). A reacção de Jesus foi interceder por eles junto do Pai, pedindo que lhes perdoasse pelo mal que Lhe estavam a fazer.

 

Ele amou os Seus inimigos.

 

 

2. “Em verdade te digo que estarás comigo, hoje, no Paraíso.” (Lucas 23:43)

Jesus foi crucificado entre dois salteadores, como predito em Isaías 53:12. Estes juntaram prontamente as suas vozes às daqueles que escarneciam d’Ele, acusando-O de ter salvo outros mas não conseguir salvar-se a Si mesmo, e desafiando-O a descer da cruz (cf. Mateus 27:41-44). Um dos malfeitores manteve esta postura até ao fim, porém, provavelmente porque, com o passar do tempo, foi observando o comportamento de Jesus, o outro acabou por repreender o primeiro, acusando-o de não temer a Deus e declarando a culpa de ambos e a inocência do Senhor. Em seguida, voltou-se para o Filho de Deus e suplicou: “Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino.” (Lucas 23:42)

O pedido foi simples mas procedeu de um coração genuinamente arrependido e revelando uma fé que conseguiu ver que Aquele que aparentava ser apenas um homem derrotado, ensanguentado e moribundo era de facto um Rei que, se quisesse, o podia receber no Seu reino de glória. E a graça e a misericórdia do Filho de Deus não puderam fazer outra coisa que não prometer-lhe acolhimento.

A salvação do salteador foi um milagre: uma vida marcada pelo pecado e pelo crime pôde ser salva literalmente no último instante (quando foi crucificado, ele ainda era inimigo de Jesus, de facto era como o Seu “negativo”), demonstrando que a graça de Deus é tudo o que é necessário para chegarmos a Ele.

Jesus amou um homem no limiar entre a vida e a morte, entre a inimizade contra Ele e a submissão ao Seu senhorio. O que viveu roubando outros, e por isso foi condenado à morte, foi redimido por Aquele que viveu dando-Se aos demais, até ao ponto de entregar a Sua própria vida por eles.

3. “Mulher, eis aí o teu filho… Eis aí tua mãe.” (João 19:26-27)

Quando foi preso, no Getesêmane, Jesus foi abandonado pelos Seus discípulos (cf. Mateus 26:56). Pedro e João seguiram-n’O até à casa do sumo-sacerdote, porém, depois de o primeiro O ter negado ali (cf. João 18:15-27), apenas o segundo O seguiu até ao Calvário. João era o mais jovem dos doze e era também aquele com quem Jesus tinha uma maior intimidade, de tal forma que o discípulo se referia a ele próprio, no seu evangelho, como “aquele a quem Jesus amava” (João 13:23). E certamente esta amizade especial pesou bastante no facto de João ter sido o único dos doze a acompanhar Jesus até ao fim.

 

Junto à cruz estava também a mãe do Senhor, e, apesar da enorme importância da obra que estava a realizar e do Seu sofrimento intenso, no Seu amor Ele quis juntar ali as vidas do Seu amigo mais chegado e da Sua familiar mais querida, preocupado que estava com o seu futuro amparo (cf. João 19:26-27). Tendo que abandonar fisicamente a Sua mãe, o Bom Filho teve o cuidado de encontrar para ela aquele que melhor O podia substituir.

 

 

4. “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mateus 27:46)

Nas três primeiras frases proferidas na cruz, entre a hora terceira e a sexta (cf. Marcos 15:25), Jesus demonstrou, como vimos, a Sua preocupação para com aqueles que O rodeavam naquele lugar. Entre a hora sexta e a nona, “houve trevas sobre toda a terra” (Mateus 27:45), e foi neste período terrível que Ele pronunciou as Suas quatro últimas frases, ligadas ao Seu sacrifício, tendo sido através daquela sobre a qual nos debruçamos agora que expressou a Sua dor mais intensa.

Um Deus totalmente santo e justo não conseguiu encontrar solução para o pecado do Homem e para a corrupção, condenação e morte que dele resultam, a não ser descarregando toda a fúria do Seu castigo sobre uma vítima inocente – o Seu próprio Filho: “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus.” (2 Coríntios 5:21)

Tendo Jesus Cristo sido feito pecado, ainda que numa obra de amor supremo, como podia um Deus perfeito e puro ficar junto d’Ele, mesmo tratando-se do Seu Filho amado?

Apesar de estar a ser sujeito a um suplício atroz, do ponto de vista físico, e de carregar sobre Si os pecados de toda a humanidade, o único lamento que saiu dos lábios de Jesus, durante o Seu acto sacrificial, foi este, concernente ao abandono por parte de Deus.

Para compreendermos este facto, devemos lembrar-nos de que a essência do Deus trino é relacional. Ele não é um Deus solitário e distante, antes a Sua existência, de eternidade a eternidade, é caracterizada por uma interacção constante de amor entre as três Pessoas que constituem a Trindade.

Jesus tinha dito em oração ao Pai, pouco antes no Getesêmane: “Tu me hás amado antes da fundação do mundo” (João 17:24). Porém, apesar deste amor, a comunhão com o Filho teve de ser interrompida, com uma enorme dor de parte a parte, para que nós pudéssemos ser admitidos à comunhão do Seu amor eternamente:

“Deus amou o mundo, de tal maneira, que deu o seu Filho unigénito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16). “Nós o amamos a ele, porque ele nos amou primeiro.” (1 João 4:19)

5. “Tenho sede.” (João 19:28)

Quando Jesus chegou ao Calvário, deram-Lhe vinho com mirra mas Ele recusou-se a bebê-lo (cf. Marcos 15:23). Porém, nos Seus últimos momentos de vida, quando aparentemente já não valia muito a pena preocupar-se com isto, Ele declarou ter sede, tendo-Lhe, desta vez, sido dado a beber vinagre. A este propósito, João afirma que Jesus o fez, “para que a Escritura se cumprisse” (João 19:28), referindo-se às palavras “na minha sede, me deram a beber vinagre”, de um salmo de David (69:21) em que os seus sofrimentos prefiguram os do Messias.

 

São mais de 25 as profecias do Velho Testamento que se cumprem no dia da crucificação de Jesus Cristo, e este facto aponta, mais uma vez, para o amor de Deus por nós: Ele quer que saibamos que a Sua Palavra é inspirada e que tudo aquilo que foi profetizado acerca de Seu Filho teve o seu cumprimento ao detalhe e no momento certo, de acordo com o plano da Sua graça para connosco.

 

 

6. “Está consumado.” (João 19:30)

 

Jesus bebeu vinagre para que se cumprisse uma profecia a Seu respeito, mas, pouco antes, na agonia do Getesêmane, antevendo o sofrimento que O esperava, Ele orou: “Pai, se queres, passa de mim este cálice, todavia não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lucas 22:42). Cumpriu-se a vontade do Pai, e Jesus bebeu o Seu cálice até ao fim. O Seu amor por Ele e pelos homens nunca O deixariam agir de outro modo. Porém, a obediência que muito custou ao Filho abriu caminho para a redenção de todos aqueles que viviam sem esperança mas agora, pela fé, sabem que a Sua obra na cruz é a única que é necessária para serem aceites pelo Pai.

 

E, muito em breve, o destino do Inimigo iria ser selado e o poder da morte iria ser destruído, porque Jesus Cristo entregaria a Sua vida, “para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo, e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam, por toda a vida, sujeitos à servidão.” (Hebreus 2:14-15)

 

 

7. “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.” (Lucas 23:46)

 

Depois de consumada a obra, o Filho podia entregar o Seu espírito ao Pai. Mesmo depois do incontornável abandono de que tinha sido alvo, sabia que podia continuar a confiar n’Ele, ao ponto de Lhe entregar, sem reservas, a Sua essência.

 

A vida não Lhe foi tirada. Ele, que corporizava a vida (cf. João 11:25), já tinha deixado isto bem claro, quando se declarara o Bom Pastor que dá a Sua vida pelas ovelhas: “Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu, de mim mesmo, a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la.” (João 10:17-18).

 

E como que para sublinhar este facto, ao entregar o Seu espírito, não o fez num estertor agonizante, mal conseguindo pronunciar as Suas últimas palavras, antes o fez “clamando […] com grande voz” (Lucas 23:46).

 

De acordo com os relatos dos evangelhos, vários acontecimentos sobrenaturais se sucederam ao momento em que Jesus expirou, porém, devido à sua forte carga simbólica, sobressai de entre eles o facto de o véu do Templo se ter rasgado em dois, de alto a baixo (cf. Mateus 27:51-53).

 

Este véu, até então, separava o Santo dos Santos do resto do Templo, podendo apenas o sumo-sacerdote entrar naquele espaço restrito, e só uma vez por ano, para expiação dos seus pecados e dos do povo (cf. Hebreus 9:2-7). O ter-se o véu rasgado a partir de cima foi um sinal claro de que Deus havia aceitado o sacrifício de Jesus, dando, a partir daquele momento, livre acesso à Sua presença a todos os que, pela fé, confiassem na Sua obra de amor supremo, para a sua salvação.

 

E o véu, de acordo com o escritor da carta aos Hebreus, era uma figura da carne de Cristo que, ao ser dilacerada em favor dos homens, se tornou, juntamente com o Seu sacerdócio, no fundamento para a ousadia, a segurança e a esperança dos que crêem:

 

“Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos, com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água limpa. Retenhamos, firmes, a confissão da nossa esperança, porque fiel é o que prometeu” (Hebreus 10:19-23).

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