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David tinha a aparência errada. Não só aos olhos de Golias, que o desprezou, como aos de Samuel (que havia sido enviado por Deus para ungir o futuro rei de Israel, tendo instintivamente escolhido Eliabe, o seu irmão mais velho) e aos de Jessé, o seu próprio pai, que simplesmente não se deu ao trabalho de o mandar chamar, quando o profeta o convidou e aos seus filhos para participarem num sacrifício…

 

De um futuro rei esperava-se, no mínimo, alguma maturidade, e por que motivo, tendo David sete irmãos mais velhos, havia de ser ele o escolhido? Além disso, a sua aparência física não ajudava muito… Como iria um “jovem ruivo e de gentil aspecto” (1 Samuel 17:42) infundir o respeito que se deve a um monarca?

 

Deus antecipou-se a estas questões que em breve certamente iriam atravessar a mente de Samuel, declarando-lhe acerca de Eliabe: “Não atentes para a sua aparência, nem para a altura da sua estatura, porque o tenho rejeitado; porque o Senhor não vê como vê o homem. Pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração.” (1 Samuel 16:7)

 

Faz parte da nossa natureza deixarmo-nos impressionar pelo aspecto exterior dos homens, incapazes que somos de ver o que se passa nos seus corações. Ao Deus omnisciente, porém, não estão impostos tais limites, e Ele simplesmente ignora aquilo a que damos tanta importância, dirigindo a Sua atenção directamente para o nosso íntimo, para o que verdadeiramente nos toca e nos move.

 

E o Senhor agradou-se do que viu no íntimo de David: “Achei a David, filho de Jessé, varão conforme o meu coração, que executará toda a minha vontade.” (Actos 13:22)

 

Aquilo que Deus mais busca em cada um de nós é uma obediência motivada pela fé, pelo amor e pela reverência em relação a Ele, e foi esta atitude que o Senhor encontrou no “jovem ruivo e de gentil aspecto” e não nos seus irmãos mais velhos.

 

David tinha a aparência errada, e também usou as armas erradas… Quando se declarou pronto a enfrentar Golias, o gigante filisteu que aterrorizava os israelitas, argumentando que o Senhor o ajudara a matar os leões e os ursos que atacavam o rebanho de seu pai, e que certamente o ajudaria também a derrotar aquele guerreiro (cf. 1 Samuel 17:34-37), o rei Saúl, inicialmente (também ele) pouco impressionado com a sua aparência (cf. 1 Samuel 17:33), acabou por aceder ao seu intento. Na sua sabedoria humana, pensou, porém, que, para que o jovem pudesse ter alguma hipótese de sucesso, o seu equipamento militar deveria corresponder ao do adversário.

 

O armamento de Golias era impressionante: “Trazia na cabeça um capacete de bronze e vestia uma couraça de escamas; e era o peso da couraça de cinco mil siclos de bronze. E trazia grevas de bronze por cima de seus pés e um escudo de bronze entre os seus ombros. E a haste da sua lança era como eixo de tecelão, e o ferro da sua lança, de seiscentos siclos de ferro” (1 Samuel 17:5-7).

 

Atendendo a isto, Saúl pôs um capacete de bronze na cabeça de David, vestiu-lhe uma couraça e entregou-lhe uma espada. Todavia, o jovem, que nunca tinha usado tal armamento, não se conseguiu adaptar ao mesmo, e preferiu armar-se de uma forma que deixou todos boquiabertos: “E tomou o seu cajado na mão, e escolheu para si cinco seixos do ribeiro, e pô-los no alforge de pastor, que trazia […]; e lançou mão da sua funda” (1 Samuel 17:40).

 

O seu adversário, mais que boquiaberto, ficou furioso, sentindo-se certamente ferido no seu orgulho de guerreiro experimentado, quando viu que o inimigo tinha enviado, para o enfrentar, um mero rapaz, além do mais armado de uma forma ridícula: “Sou eu algum cão, para tu vires a mim com paus?” (1 Samuel 17:43)

 

O que Golias não conseguia ver com os seus olhos humanos é que, mais que com armas rudimentares, David se tinha equipado com a armadura de Deus (cf. Efésios 6:10-18). E foi por esse motivo que o jovem se pôde dirigir ao gigante nestes termos:

 

“Tu vens a mim com espada, e com lança, e com escudo; porém eu vou a ti em nome do Senhor dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado. Hoje mesmo o Senhor te entregará na minha mão; e ferir-te-ei, e te tirarei a cabeça, e os corpos do arraial dos filisteus darei hoje mesmo às aves do céu e às bestas da terra; e toda a terra saberá que há Deus em Israel. E saberá toda esta congregação que o Senhor salva, não com espada, nem com lança; porque do Senhor é a guerra, e ele vos entregará na nossa mão.” (1 Samuel 17:45-47)

 

Golias quis enfrentar David com as melhores armas do seu tempo; o jovem enfrentou-o com a “couraça da justiça”, o “escudo da fé”, o “capacete da salvação e a espada do Espírito” (cf. Efésios 6:14,16-17).

 

Conhecemos bem o que se passou em seguida: guiada por aquele Espírito, que se tinha apoderado dele desde o momento da sua unção por Samuel (cf. 1 Samuel 16:13), a mão de David foi certeira (dos cinco seixos que levara consigo, apenas usou um), e Golias logo caiu por terra. A espada com que este queria matar o jovem não chegou a ser desembainhada senão pelo próprio, que, com ela, cortou a sua cabeça…

 

Talvez os outros não se impressionem com a nossa aparência. Esta é a atitude normal por parte daqueles que escolhem ser nossos inimigos, e também os nossos familiares muitas vezes não nos dão o devido valor (o próprio Jesus sentiu isto pessoalmente – cf. Marcos 6:1-4). Talvez mesmo os nossos irmãos na fé, sim, até os responsáveis da nossa igreja, olhem para nós e pensem que nunca teremos muito para oferecer: somos apenas jovens inexperientes, ou idosos marcados pelo passar dos anos, ou pessoas com vidas tão duras que nunca tiveram tempo para receber uma educação formal consistente, ou indivíduos de uma raça ou etnia diferente a viverem num contexto de preconceito… É para estes aspectos que olham os homens, mas a Deus só interessa o nosso coração. Nós amamo-Lo? Buscamo-Lo nas nossas vidas diárias? Confiamos e dependemos d’Ele? Procuramos obedecer à Sua vontade, revelada na Sua Palavra, não por formalismo ou obrigação, mas para Lhe agradarmos e porque O reverenciamos?

 

Se possuímos corações que buscam a Deus desta maneira, e ainda que sejamos desvalorizados e até desprezados pelos outros, agora só temos que nos ocupar com os “leões e os ursos” que se atravessam no nosso caminho, e a Seu tempo Ele nos ungirá e nos ajudará a enfrentar os “gigantes”. Podemos estar seguros de que o Senhor recompensará a nossa persistência: “E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido.” (Gálatas 6:9)

 

E que armas estamos a usar? Na ânsia de obtermos sucesso, tanto na nossa vida pessoal como na da igreja, por vezes caímos na tentação de dependermos das armas de um mundo que não conhece a Deus, ficando depois surpreendidos quando as vitórias não chegam.

 

O importante não é tanto se estamos a usar o equipamento militar mais recente ou se apenas levamos connosco um cajado, uma funda e alguns seixos, mas antes se, como David, depositamos toda a nossa fé no Altíssimo.

 

Não são as armas que transportamos na mão que mais importam, mas antes as que levamos no coração. É para estas que o Senhor dos Exércitos atenta.

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