De repente, uma rajada mais forte despertou-o para a realidade circundante. Até aí, havia fixado de tal forma o seu olhar e a sua atenção na pessoa de Jesus, que se tinha abstraído completamente do forte vento, das ondas alterosas e da escuridão da noite. Mas agora, à medida que o medo e o pânico se apoderavam dele, começou a afundar-se nas frias águas do Mar da Galileia. Foi então que Pedro – assim se chamava o aflito – se arrependeu da sua atitude impulsiva…
Na manhã desse dia, Jesus havia ordenado aos discípulos que entrassem num barco e atravessassem para a outra banda, enquanto Ele se despedia de uma multidão a que tinha estado a ministrar, subindo, depois, a um monte para orar a sós. Após isto, com a naturalidade sobrenatural de Criador do Universo, caminhou sobre as águas até ao ponto do Mar da Galileia onde os seus discípulos lutavam contra um forte vento que os impedia de avançar. Ao verem, no escuro, um vulto aproximar-se de forma tão inesperada e incompreensível, julgaram estar perante a aparição de um fantasma, e, assustados, gritaram com medo.
Foi então que Jesus os acalmou, dizendo ser Ele, e Pedro Lhe pediu que comprovasse este facto, permitindo que caminhasse sobre as águas até à Sua pessoa.
E tudo correu bem enquanto o discípulo centrou a sua atenção no Mestre e depositou a sua confiança no Seu poder. Porém, quando aquela atenção se desviou, como vimos, para as circunstâncias que o rodeavam, a sua confiança começou a falhar, e o afundamento foi inevitável.
Felizmente, na sua aflição, Pedro conseguiu, apesar de tudo, buscar ajuda onde ela deve ser buscada: “Senhor, salva-me!” (Mateus 14:30)
Jesus respondeu imediatamente ao pedido de socorro do Seu discípulo, estendendo-lhe a mão, não deixando, porém, de o censurar: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mateus 14:31)
No episódio que acabamos de narrar, Pedro falhou na sua confiança em relação ao poder de Jesus, afundando-se nas águas. Pior sucedeu mais tarde quando “naufragou” completamente na sua vida espiritual…
O ministério do Filho de Deus neste mundo estava a chegar ao fim. No dia que antecedeu a noite negra da Sua prisão, dirigiu-se aos discípulos, dizendo claramente que eles se iriam envergonhar d’Ele. Pedro respondeu de imediato, afirmando que tal poderia acontecer com todos os outros mas consigo nunca sucederia. Jesus insistiu, acrescentando que nessa mesma noite, antes que o galo cantasse, ele O negaria três vezes. A resposta valente de Pedro fez-se logo ouvir: “Ainda que me seja necessário morrer contigo, não te negarei.” (Mateus 26:35)
Era obviamente elevada a opinião que Pedro tinha da sua pessoa e da sua coragem, o que se vai reflectir também no facto de que, no Getesêmane, o seu Mestre, triste e angustiado, lhe pede para velar com Ele, mas três vezes (uma por cada vez que O negaria) o vai encontrar adormecido com os seus condiscípulos (cf. Mateus 26:36-45)… Todavia, a autoconfiança de Pedro de pouco valeu, na altura em que foi confrontado com a perseguição. Quando Jesus é preso, ainda puxa da espada e, vacilante e desajeitado, corta a orelha direita a Malco, o servo do sumo-sacerdote (cf. João 18:10), mas, logo a seguir, lemos que “todos os discípulos, deixando-o [a Jesus], fugiram.” (Mateus 26:56)
Hesitante entre o cumprimento das suas promessas de fidelidade e a ânsia de se manter vivo, Pedro ainda reúne a coragem que lhe resta, para seguir o seu Mestre, “de longe” (Mateus 26:58), até ao pátio do sumo-sacerdote, onde se senta incógnito entre os seus servidores. Porém, em breve é reconhecido, e então entra numa degradante espiral de traição…
Quando Jesus disse a Pedro que ele O iria negar, não ficou por aí, acrescentando: “Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma os teus irmãos.” (Lucas 22:32).
Ficamos impressionados com o coração compassivo de Jesus. Qualquer homem, no Seu lugar, perante a deslealdade e a cobardia de Pedro, desenvolveria sentimentos de ódio ou, pelo menos, de um profundo desprezo em relação a ele. Jesus, porém, revela a Sua essência de amor e graça muito para além do que qualquer um de nós poderia imaginar: ainda antes da queda e da traição do Seu discípulo, intercede por ele junto do Pai e, prevendo o seu arrependimento, confia-lhe a tarefa de cuidar de seus irmãos…
Logo após negar a Jesus, Pedro chora amargamente (cf. Lucas 22:61-62). Todavia, lembrando-se, certamente, das Suas palavras, é em breve restaurado, e, quando Maria Madalena, bem cedo no domingo da ressurreição, vai ao sepulcro e encontra a pedra que tapava a sua entrada revolvida, é a este discípulo e a João que ela se dirige (cf. João 20:1-2).
Passado algum tempo, quando Pedro dialoga com o seu Senhor ressurrecto, Ele por três vezes lhe pergunta se O ama e por três vezes confirma a sua chamada: “Apascenta as minhas ovelhas.” (João 21:17)
Nos primeiros capítulos de Actos dos Apóstolos, vemos como um Pedro transformado assume de facto esta liderança. Aquele discípulo que não se tinha conseguido manter acordado quando Jesus, no Getesêmane, lhe pedira para velar com Ele, agora perseverava em oração com os irmãos (cf. Actos 1:13-14). Todas as ilusões de auto-suficiência se tinham desvanecido, dando lugar a uma fé e uma confiança plenas no seu Senhor que, não só o havia perdoado e restaurado do seu gravíssimo pecado, como, acima de tudo, tinha manifestado o Seu poder e a Sua glória, ressuscitando da morte e ascendendo aos céus.
Mas a graça de Deus é superabundante, e, além do mencionado, o Senhor capacita Pedro e os seus irmãos com o poder do Espírito Santo (cf. Actos 2:1-4).
Desta forma, o discípulo, que não muito tempo antes se tinha mostrado tão vacilante e temeroso, agora anuncia o nome de Jesus às multidões, sendo aos milhares aqueles que são salvos (cf. Actos 2:41, 4:4), e enfrenta com toda a ousadia os líderes religiosos que tinham conduzido o Filho de Deus à morte, não hesitando em dizer-lhes, mesmo perante a prisão, os açoites e todas as ameaças: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens.” (Actos 5:29)
O percurso espiritual de Pedro constitui uma mensagem de conforto e esperança para os crentes. Através dele conhecemos melhor Jesus como o perfeito Intercessor. Ele foi o sacrifício perfeito, porque n’Ele não havia culpa, e é agora o Sumo-Sacerdote perfeito, que “pode também salvar, perfeitamente, os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hebreus 7:25). Todavia, “não temos um sumo-sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado.” (Hebreus 4:15)
Por este motivo, sabemos que, por mais profundas que sejam as crises de fé que atravessemos e por maiores que sejam as quedas que dermos (a de Pedro foi certamente das mais graves), ainda antes de umas e de outras Jesus já estará a interceder por nós compassivamente junto do Pai e a preparar, para depois do nosso arrependimento, as tarefas que nos vai entregar, para realizarmos para Ele.
De facto, na Palavra de Deus são vários os exemplos de homens que, como Pedro, após caírem em pecados graves, foram quebrantados e, ao abrirem mão da sua auto-suficiência, humilhando-se perante o Senhor, foram restaurados e usados poderosamente na Sua obra.
E o exemplo de Pedro também nos pode transmitir conforto e esperança, no sentido em que, muito embora vivamos num mundo hostil e instável a todos os níveis, que nos faz lembrar as águas agitadas sobre as quais ele andou no Mar da Galileia, sabemos que, apesar das nossas debilidades e dos nossos fracassos passados, com a ajuda de Jesus podemos chegar a aprender a andar aqui sem nos “afundarmos”.
A transformação de Pedro passou por um processo que incluiu, como vimos, o quebrantamento, o abandono da auto-suficiência, a gratidão pelo perdão de Jesus, a fé fortalecida pela Sua ressurreição e a capacitação com o poder do Espírito Santo.
Todos estes elementos são importantes para chegarmos a viver de uma forma agradável a Deus e que nos permite desempenhar o nosso papel de “sal da terra” (Mateus 5:13). O escritor da carta aos Hebreus, usando como alegoria da nossa vida uma corrida de fundo, acrescenta, aos mesmos, alguns que são igualmente relevantes, como a santificação, a paciência e a imitação de Jesus, na aceitação do sofrimento presente, perante a glória que nos aguarda:
“Deixemos todo o embaraço e o pecado, que tão de perto nos rodeia, e corramos, com paciência, a carreira que nos está proposta, olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à dextra do trono de Deus.” (Hebreus 12:1-2)