Em 2007, participei ativamente na promoção do “não” à despenalização do aborto, através de artigos, entrevistas e conferências, tentando contrariar a falta de isenção e desinformação dos meios de comunicação nacionais contra quem manifestasse opinião a favor da vida humana intra-uterina.
Para os cristãos, a vida humana deve ser defendida desde a conceção até à morte natural, porque o ser humano foi criado à imagem de Deus (Génesis 1:26-27), o que o dignifica e diferencia de todos os outros seres vivos, e a vida é uma dádiva de Deus e só Ele tem autoridade sobre a vida e a morte (1 Samuel 2:6). Além disso, a tradição judaico-cristã sempre dedicou uma especial atenção à defesa dos mais fracos e indefesos, sendo um imperativo moral a proteção das crianças no ventre materno. Na antiga sociedade judaica, mesmo quando a gravidez resultou de uma situação de incesto (Génesis 19:36) ou adultério (2 Samuel 11:5) jamais se considerou o abortamento como uma opção aceitável.
Foi por influência do Cristianismo que o aborto passou a ser considerado crime no mundo ocidental. A partir do século XX, com a secularização das sociedades, a desvalorização do papel da religião como fonte de moralidade e a idolatrização da autonomia individual, verificou-se a promulgação de leis favoráveis à prática do aborto em vários países.
Até 1984, o aborto era proibido em Portugal em qualquer situação. A lei 6/84 veio permitir a sua realização em situações de perigo de vida para a saúde física ou psíquica da mãe, quando existia malformação ou doença incurável fetal ou quando a gravidez resultasse de uma violação.
A aprovação da lei 16/2007, que permitiu a liberalização do aborto até às 10 semanas de gestação, “por opção da mulher”, levou à banalização da sua prática e representa um profundo retrocesso civilizacional, pois o grau de civilização de um país pode ser avaliado pela forma como protege os mais vulneráveis e fragilizados. Nesse ano, pela primeira vez desde há várias décadas, a taxa de mortalidade no nosso país foi superior à de natalidade e desde então o número de nascimentos tem vindo a decrescer, o que representa uma preocupante alteração demográfica pois deixou de ser possível a substituição das gerações.
Desde a implementação da lei 16/2007, foram realizados cerca de 160 000 abortos legais, em hospitais públicos e clínicas privadas do país. Só em 2015, foram realizados 16 454 abortos, 96,5 % dos quais nas primeiras 10 semanas, por exclusiva vontade materna. Das mulheres que abortaram de forma voluntária nesse ano, 21,7 % já tinham realizado um aborto, 5,7 % dois, 2,5 % três ou mais e 1,9 % já tinham sido submetidas a uma interrupção da gravidez nesse ano.
Esta lei iníqua, promulgada principalmente por razões ideológicas e políticas, possibilitou o financiamento do aborto na íntegra pelo Estado português, tanto no sector público como no privado, incluindo deslocações e estadas, bem como licenças de 14 a 30 dias pagas a 100 %. O que o nosso país, cada vez mais envelhecido e com taxas de natalidade e fecundidade das mais baixas do mundo, realmente necessitava era de políticas de promoção da natalidade e proteção social aos futuros pais e não de regimes jurídicos como o atual que desculpabilizam e promovem o aborto.
Em Dezembro de 2015, a Comissão de Assuntos Constitucionais aprovou a revogação da lei da interrupção voluntária da gravidez que tinha introduzido taxas moderadoras e a obrigatoriedade de as mulheres irem a consultas com um psicólogo e um técnico social, bem como o fim do registo pelos médicos objetores de consciência, que deixam de poder participar nas consultas de acompanhamento social e psicológico antes de uma interrupção da gravidez. Tal situação contribui ainda mais para a banalização da prática do aborto em Portugal, que para muitas mulheres não passa de um método contracetivo custeado pelo Estado.
Um abortamento provocado, além de causar a morte de crianças inocentes, é também uma agressão para a saúde física e mental da mulher. Sabe-se atualmente que qualquer mulher que aborta voluntariamente, mesmo nas melhores condições de assistência médica, tem um risco acrescido de lesões do aparelho genital, infertilidade, infeções, abortamentos espontâneos posteriores, prematuridade em gravidezes ulteriores, entre outros. Mais difíceis de quantificar, mas não menos importantes, são as consequências ao nível da saúde mental, nomeadamente depressão, sentimentos de culpa, sentimentos de perda, abuso de substâncias tóxicas e mesmo suicídio.
A banalização do aborto em Portugal, que tem ocasionado a morte prematura de milhares de vidas inocentes, não deve deixar indiferentes os cristãos evangélicos deste país. Somos chamados a ser sal e luz, a influenciar positivamente a sociedade em que vivemos com os valores do Evangelho, arautos de uma mensagem que valoriza toda a vida humana desde o primeiro dia de formação do embrião, seguindo o exemplo de Jesus Cristo.
As palavras de Madre Teresa num discurso que proferiu em 1994 em Washington, D.C., permanecem atuais: «Eu sinto que o maior destruidor de paz hoje é o aborto, porque é uma guerra contra a criança, um assassinato direto de uma criança inocente, morta pela própria mãe. E se nós aceitamos que uma mãe possa matar o seu próprio filho, como podemos dizer a outras pessoas para não se matarem umas às outras?».
Numa altura em que tanto se fala, e bem, da problemática da violência infantil e doméstica, vale a pena considerar que não há violência mais atroz que a morte provocada de uma criança na barriga da sua mãe.