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Resumo: A integridade do médico é uma das virtudes que os pacientes mais apreciam. No entanto, pensamos que esta qualidade não tem sido devidamente valorizada entre nós, quer na formação dos estudantes de medicina quer na prática clínica dos profissionais. Contudo, nos últimos anos, têm sido publicados vários estudos e documentos, principalmente nos E.U.A. e Reino Unido, que destacam a integridade como uma virtude indispensável para o profissionalismo médico. Neste trabalho, começamos por analisar o significado desta virtude ética fundamental, em termos etimológicos e semânticos, e a sua centralidade para o exercício humanista da medicina. Beauchamp e Childress afirmam que as quatro virtudes que caracterizam o profissional de saúde virtuoso, do ponto de vista moral, são a compaixão, a prudência, a credibilidade e a integridade. Considerando que a reflexão ética, no âmbito da medicina, só faz sentido se for relevante ou puder ser aplicada na prática clínica quotidiana, iremos desenvolver algumas características que, em nosso entender, um médico íntegro deve manifestar, principalmente no âmbito da sua relação clínica com os pacientes.

 

Palavras chave: Integridade. Virtude. Profissionalismo médico. Relação médico-paciente. Bioética.

Abstract: The integrity of the physician is one of the moral virtues most appreciated by patients. Nevertheless, we believe that it has not been properly valued in our country, both in the training of medical students and in the clinical practice of doctors. However, several studies and reports have been published in recent years, mainly in the U.S. and U.K., which emphasize integrity as an essential virtue to medical professionalism. In this essay, we examine the significance of this fundamental ethical virtue, based on its etymology, semantics, and its centrality to the humanistic practice of healthcare. Beauchamp and Childress argue that the four virtues that characterize the morally virtuous health professional are compassion, carefulness, credibility, and integrity. Whereas the ethical reflection in the context of healthcare only makes sense if it is relevant to, and could be applied in, everyday clinical practice, we develop some features that, in our view, a physician with integrity should express, especially in her relationship to the patient.

 

Key words: Integrity. Virtue. Medical professionalism. Doctor-patient relationship. Bioethics.

 

 

 

“Integrity without knowledge is weak and useless, and knowledge without integrity is dangerous and dreadful”

Samuel Johnson (1709 – 1784)

 

 

A palavra “integridade” deriva do vocábulo latino integritate, que significa o estado ou qualidade de íntegro, isto é, de um todo que tem todas as suas partes, a que nada falta. Inclui as noções de inteireza, plenitude, caráter do que se não pode ou deve quebrar ou modificar. No sentido ético-moral, a integridade pode ser definida como uma qualidade ou virtude do caráter de uma pessoa, designadamente inteireza moral, honestidade, retidão, probidade e imparcialidade (1,2,3). Diz-se que uma pessoa é íntegra quando atua de acordo com um determinado conjunto de valores e princípios morais, nos quais acredita, e apresenta um comportamento honesto, imparcial, reto, incorruptível, justo e verdadeiro (4,5).

 

Beauchamp e Childress, no seu tratado clássico Principles of Bio-medical Ethics, consideram que as quatro virtudes que caracterizam o profissional de saúde virtuoso, do ponto de vista moral, são a compaixão, a prudência, a credibilidade e a integridade. Para estes autores, a integridade moral representa o traço de caráter que reúne de modo coerente valores morais coesos e justificáveis, bem como uma fidelidade ativa para com esses valores, em teoria e na prática (6). Baruch Brody considera que a integridade é a virtude mais importante, por desempenhar um papel central na ética dos cuidados de saúde (7).

 

Osswald inclui também a integridade na sua original proposta de atributos que constituem a essência da vocação do médico, considerando a palavra “médico” como um acróstico que engloba as seguintes qualidades: modéstia, entrega, disponibilidade, integridade, competência e otimismo (8).

 

Outra dimensão do conceito de integridade, que não iremos abordar, encontra-se na Declaração de Barcelona, aprovada pela Comissão Europeia em 1998. Neste documento, a integridade é considerada um dos quatro princípios éticos básicos da bioética e do biodireito, juntamente com a autonomia, a dignidade, e a vulnerabilidade. Contudo, neste contexto, o termo refere-se a uma condição básica do ser humano que não pode ser ultrapassada, tanto a nível físico como mental. Se houver transposição deste limiar, por intervenção externa, poderá se falar em violação ou perda da integridade. O respeito pela integridade significa, assim, a consideração pela privacidade do doente, pela sua coerência de vida e pela compreensão do seu estado de saúde e de doença (9). Pellegrino resume a distinção entre os dois significados principais inerentes ao conceito de integridade afirmando: “Integrity belongs to all persons as humans, but not all are persons of integrity” (10).

 

Nos últimos anos, tem havido um interesse renovado pelo contributo dos valores para o desempenho profissional do médico, principalmente nos Estados Unidos da América e Reino Unido, sendo a integridade um dos mais destacados.

 

Em 2002, foi publicado simultaneamente no Annals of Internal Medicine e no Lancet, o relatório Medical Professionalism in the New Millennium: A Physician Charter. Trata-se de um conjunto de orientações, dirigidas a todos médicos, que resultou de vários anos de trabalho no âmbito de um projeto que envolveu o American Board of Internal Medicine, a European Federation of Internal Medicine, o American College of Physicians e a American Society of Internal Medicine. Posteriormente, foi subscrito por mais de 100 associações profissionais, sociedades e escolas médicas de todo o mundo. As principais conclusões desta proposta, no que diz respeito à integridade moral do médico, são o compromisso de honestidade para com os pacientes, o compromisso de estabelecer relações apropriadas com os pacientes, o compromisso de aquisição de conhecimento científico de forma ética, e o compromisso de promover uma relação de confiança com os pacientes e evitar conflitos de interesse (11,12).

 

No relatório Doctors in society: Medical professionalism in a changing world, elaborado por um grupo de trabalho do Royal College of Physicians, do Reino Unido, a integridade ocupa um lugar de destaque no exercício da medicina, considerada uma vocação e não um mero trabalho ou ocupação (13,14). Pode se ler nesse documento, publicado em 2005:

 

“In their day-to-day practice, doctors are committed to integrity, compassion, altruism, continuous improvement, excellence, working in partnership with members of the wider healthcare team. These values, which underpin the science and practice of medicine, form the basis for a moral contract between the medical profession and society” (13).

 

 

A Associação Médica Britânica chegou à mesma conclusão, no relatório Professional Values, onde são apresentados os resultados de um estudo quantitativo sobre os valores considerados relevantes para o exercício da medicina no século XXI, nomeadamente o compromisso, a integridade, a confidencialidade, o cuidado, a competência, a responsabilidade, a compaixão, o gosto pelo saber e a defesa dos doentes. A metodologia deste estudo consistiu num questionário aplicado, em 1995, a 545 estudantes formandos de medicina de várias escolas médicas do Reino Unido, que foram novamente inquiridos em 2004 acerca deste conjunto de valores. Foram considerados mais importantes, por ordem decrescente, em 1995, a competência, o cuidado e a compaixão, ficando a integridade em quinto lugar. Em 2004, os primeiros quatro valores que os entrevistados (que nessa altura já exerciam medicina há quase uma década) escolheram, por ordem de importância, foram a competência, a integridade, o cuidado e a compaixão (15).

 

Todos os médicos que exercem atividade clínica no Reino Unido têm a obrigação legal de estarem inscritos no General Medical Council. Na introdução do manual Good Medical Practice, publicado por esta instituição britânica, atualizado em 2006, é afirmado:

 

“Patients need good doctors. Good doctors make the care of their patients their first concern: they are competent, keep their knowledge and skills up to date, establish and maintain good relationships with patients and colleagues, are honest and trustworthy, and act with integrity” (16).

 

 

Num editorial do Journal of Public Health, Vetter refere também que a integridade, a par do respeito, da compaixão e da competência, faz parte das qualidades humanas que constituem a essência do profissionalismo médico (17). Em outro estudo, publicado em 2006, utilizando metodologias qualitativas e quantitativas, foram interrogados 18 reitores de Faculdades de Medicina estadunidenses acerca dos valores que consideravam fundamentais na sua atividade de liderança. A integridade aparece em primeiro lugar na lista dos quatro valores considerados mais importantes, tendo sido escolhida pela totalidade dos inquiridos (18).

 

Em Portugal, alguns médicos influentes, com responsabilidades acadêmicas e no campo da bioética, têm defendido a importância dos valores na formação acadêmica pré e pós-graduada. Daniel Serrão afirma que

 

“Uma virtude que sempre foi reconhecida ao longo da história e que, nos tempos modernos é, igualmente, respeitada como referência da totalidade e unidade de uma vida humana é a virtude da integridade, como constância e coerência (...) De um homem íntegro e constante só devemos esperar ações que realizam o bem, nas situações concretas. Na saúde, porque a relação humana e as decisões sobre os outros são de maior delicadeza, sensibilidade e risco, temos todos de estar seguros de que o profissional de saúde é competente no plano técnico mas é também um ser humano virtuoso” (19).

 

 

Lobo Antunes salienta a importância de existir um “curriculum escondido” em cada estudante ou licenciado em medicina, utilizando a expressão original de Frederic Hafferty (20, 21). O cerne ou esqueleto deste curriculum é, segundo Lobo Antunes, “constituído por valores fáceis de reconhecer mas de difícil ou impossível quantificação: compaixão, sentido de responsabilidade, curiosidade, diligência, integridade e altruísmo”.

 

Pinto Machado afirma igualmente que “a competência do médico, cada vez mais exigente nos domínios científico e técnico, requer também os valores, as virtudes, as atitudes e os comportamentos indispensáveis” (22).

 

Em nossa opinião, o ensino dos valores e da importância da integridade moral deve começar bem cedo na formação dos futuros médicos. No entanto, o ambiente altamente competitivo que se vive na maior parte das Faculdades de Medicina valoriza sobretudo o conhecimento e a técnica em detrimento do desenvolvimento do “curriculum escondido” anteriormente referido (23,24,25,26).

 

 

Integridade na relação médico-paciente

 

Considerando que a reflexão ética, no âmbito da medicina, só faz sentido se for relevante ou puder ser aplicada na prática clínica quotidiana, iremos desenvolver algumas características que, em nosso entender, um médico íntegro deveria manifestar, principalmente no âmbito da sua relação clínica com os pacientes. Conforme refere o relatório The Goals of Medicine: Setting New Priorities, publicado pelo Hastings Center, “a rich and strong doctorpatient relationship, historically at the core of medicine, remains a basic and enduring need” (27).

 

A presença da virtude moral da integridade por parte do médico parecenos indispensável para o estabelecimento de uma relação clínica de confiança com o seu paciente. O médico íntegro praticará uma medicina centrada na pessoa doente e alicerçada nos valores éticos contidos no Juramento Hipocrático e nos códigos deontológicos tradicionais. Tal como se encontra expresso no aforismo atribuído a Hipócrates, “a saúde do meu doente será a minha primeira preocupação” (citação incluída na carteira profissional emitida pela Ordem dos Médicos de Portugal).

 

Para Pellegrino, uma das virtudes mais importantes, no âmbito da relação médico-aciente, é a fidelidade às promessas (28). Em primeiro lugar, a promessa que o médico jurou cumprir de colocar os seus conhecimentos e competências ao serviço do doente. Contudo, a relação de confiança que deve existir entre ambos, que tem por si só um valor terapêutico, conforme já referia Michael Balint, inclui também o cumprimento cabal de outras promessas mais triviais (por exemplo, “volto mais tarde para falar com você...”) que, se forem feitas, deverão ser cumpridas (29,30).

 

Uma das recomendações do manual Good Medical Practice, do General Medical Council do Reino Unido, enfatiza a necessidade do médico ser honesto e agir com integridade. De acordo com este documento, isso inclui o dever de não discriminar pacientes ou colegas, nunca abusar da confiança que os doentes em si depositam, nem prejudicar a estima e confiança que a sociedade em geral tem para com a classe médica (31).

 

A integridade envolve o respeito pelas convicções morais, políticas ou religiosas dos outros, conforme está consignado no artigo 2.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, desde a sua aprovação pelas Nações Unidas em 1948 (32). No âmbito da relação clínica, trata-se de um direito inalienável do paciente, consagrado no Código Deontológico da Ordem dos Médicos de Portugal e na Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes, publicada pela Direcção-Geral de Saúde de Portugal (33,34).

 

O respeito para com o doente inclui também a necessidade de obtenção de um consentimento informado e esclarecido, antes de qualquer ato médico, bem como a aceitação da vontade expressa livremente pelo doente de não se submeter a determinado tratamento médico ou cirúrgico, mesmo que essa decisão lhe possa reduzir a esperança de vida.

 

No passado e até meados do século 20, a pessoa doente aceitava habitualmente de uma forma passiva a decisão dos clínicos, o que tem sido denominado paternalismo médico (35). Atualmente, a valorização da autonomia do doente, a obrigação legal de obtenção do consentimento informado, a maior oferta de serviços de saúde, a par de uma maior informação disponível, por meio da imprensa e internet, têm contribuído para um maior envolvimento e responsabilização do doente na decisão médica.

 

A decisão clínica deverá ser consistente, rigorosa e racional, tendo por base a anamnese, exame físico e eventuais exames complementares. É atualmente reconhecido que a história clínica fornece, em média, 70 a 80% da informação necessária para se chegar a um diagnóstico (36). O médico íntegro não deverá ser um “supertecnomédico”, para usar o neologismo de Osswald (08). Tomará decisões de acordo com o seu saber e a sua consciência, não cedendo a pressões nem a qualquer tipo de suborno. Será inaceitável que o clínico aceite qualquer pagamento, seja em bens ou em dinheiro, para facilitar a marcação de uma consulta, exame ou cirurgia. Do mesmo modo, não deverá prescrever medicação supérflua, requisitar exames complementares de diagnóstico desnecessários, nem propor procedimentos clínicos ou cirurgias dispensáveis.

 

Num sistema de saúde privado, ou quando a remuneração está dependente da produtividade, existe por vezes a tentação de se efetuarem exames complementares, intervenções cirúrgicas ou tratamentos desnecessários, tendo em vista as compensações financeiras. Contudo, não se deverá cair no erro oposto de se deixar de fazer o que deve ser feito, em benefício do doente, o que poderá configurar negligência médica (37,38).

 

A integridade poderá envolver o estabelecimento de prioridades nos cuidados de saúde prestados aos doentes. Tendo em conta que os recursos disponíveis serão sempre insuficientes, para uma população ou país, as decisões deverão basear-se em critérios essencialmente clínicos suportados por evidências científicas comprovadas e atualizadas, nomeadamente na prescrição de medicamentos e na proposta de cirurgias e outros atos médicos. Deverá, no entanto, dar-se preferência às opções de mais baixo custo, desde que essa decisão seja adequada à situação clínica dos pacientes (39).

 

O médico íntegro não se preocupará quando o doente expressar, geralmente de forma subtil, o desejo de ouvir uma segunda opinião sobre a sua enfermidade. Pelo contrário, deverá encorajá-lo a fazê-lo e facultar-lhe toda a informação clínica, incluindo os exames complementares já efectuados, de modo que o seu colega disponha de todos os elementos que lhe permitam tomar uma decisão esclarecida e fundamentada. O direito que o doente tem de obter o parecer de outro(s) médico(s) sobre o seu estado de saúde também faz parte do Código Deontológico da Ordem dos Médicos de Portugal e da Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes.

 

A integridade do médico poderá incluir a obrigação de se manter atualizado, pelo menos na sua área de especialização e acerca de todas as situações clínicas com que lida na sua actividade profissional quotidiana (40). O clínico deverá estar também consciente do seu dever de informar a comunidade científica de alguma descoberta relevante, contribuindo assim para o progresso da medicina e da ciência.

 

Outro aspecto da integridade, talvez menos reconhecido, é a capacidade que o médico deverá ter para admitir o seu desconhecimento ou ignorância diante de uma patologia invulgar ou em relação ao prognóstico de um caso complexo. Deverá, no entanto, orientar o doente o melhor possível, de acordo com as leges artis, para a resolução do problema clínico. Por outro lado, é de esperar de um médico íntegro que, quando as circunstâncias o permitem, encaminhe o doente para outros colegas ou unidades hospitalares mais diferenciadas, que estejam melhor habilitados a resolver o problema clínico concreto apresentado pelo paciente.

 

O médico, exercendo o seu múnus com integridade, não deverá assinar nenhuma certidão de óbito, declaração de doença ou incapacidade, nem qualquer outro documento legal acerca do estado de saúde de um paciente, sem primeiro o observar. Além disso, a declaração que assina deverá ser verdadeira e corresponder à condição real da pessoa no momento da observação clínica.

 

Os médicos íntegros não utilizam o seu estatuto de respeitabilidade na sociedade e o estado de vulnerabilidade, fragilidade e dependência dos doentes para a obtenção de privilégios, especialmente lucros financeiros ilícitos ou favores de índole sexual (41). Já Hipócrates referia no seu célebre Juramento: “Em qualquer lar em que entre, terei apenas em vista o proveito dos doentes, abstendo-me de toda a ação prejudicial e corruptora, sobretudo quanto a voluptuosidade nos contatos com homens ou mulheres, sejam livres ou escravos” (42).

 

O médico, agindo com integridade estará disponível para o atendimento dos familiares dos doentes que tem a seu cargo, respondendo às suas questões e preparando-os para o desenrolar do estado clínico previsível dos seus doentes. Por outro lado, assumirá seus erros e não abandonará um doente quando surge qualquer complicação na sequência de algum procedimento clínico por ele efetuado (43).

 

O médico íntegro poderá talvez aceitar o patrocínio ocasional da indústria farmacêutica para a sua participação em congressos e ações de formação de reconhecido interesse científico, sem quaisquer contrapartidas, mas evitará situações em que possam surgir conflitos de interesse e jamais aceitará a intromissão das empresas na sua atividade clínica. Do mesmo modo, evitará relações promíscuas ou pouco claras com a indústria farmacêutica na realização de ensaios clínicos ou na publicação dos resultados desses estudos em revistas científicas (44,45).

 

A integridade poderá incluir a defesa intransigente, por parte do médico, dos interesses dos doentes e da população em geral, por meio da sua participação em fóruns e debates públicos, bem como utilizando a imprensa escrita e falada e as novas tecnologias (através de blogs p.e.), contribuindo desta forma para a promoção da saúde e melhoria da qualidade de vida da população.

 

O médico que revela integridade deverá ainda ter consciência da dimensão da sua influência e exemplo, procurando, na sua vida pessoal, zelar pela sua saúde, evitando o tabaco, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e qualquer outro tipo de dependências.

 

 

Considerações finais

 

A presença da virtude moral da integridade por parte do médico parecenos indispensável para o estabelecimento de uma relação clínica de confiança com o seu doente, representando uma das virtudes mais valorizadas no âmbito do profissionalismo médico. Contudo, consideramos que os curricula da formação pré-graduada da maior parte das Faculdades de Medicina em Portugal valorizam sobretudo a aquisição de conhecimentos e competências e não tanto o chamado “curriculum escondido”, que inclui a integridade como um dos seus pilares.

 

Numa época de acelerado progresso dos meios tecnológicos disponíveis na área da biomedicina, e de uma tendência para a aplicação de modelos de cariz utilitarista na gestão dos serviços de saúde, parece-nos necessário enfatizar a integridade do médico, não imposta como uma pesada obrigação deontológica, mas constituindo condição sine qua non para o exercício de uma medicina humanista, ao serviço do doente. Conforme refere Serrão,

 

“Os eticistas modernos voltam a apelar para as virtudes tradicionais dos médicos, como pessoas, porque só o médico virtuoso pode defender o doente quando, de forma inevitável, o ato médico evolui para uma relação complexa e múltipla, com um importante componente tecnológico e uma significativa vertente econômico-financeira e social” (39).

 

As considerações aqui apresentadas acerca de possíveis aplicações do conceito de integridade moral na relação médico-paciente não pretendem ser definitivas, mas servir de orientação e constituir um ponto de partida para a reflexão bioética acerca deste tema.

 

 

Referências

 

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