E quanto mais sábio foi o pregador, tanto mais ensinou ao povo sabedoria; e atentando, e esquadrinhando, compôs muitos provérbios. Procurou o pregador achar palavras agradáveis, e escreveu-as com retidão, palavras de verdade. As palavras dos sábios são (Eclesiastes 12:9 - ACF).
1. Testemunho
Como preâmbulo, gostaria de testemunhar de que, pessoalmente, escrever é um milagre. Na escola, no secundário, na disciplina de Português, não sei que classificação era a minha na escala de 1 a 20, porque o 10 que eu recebia da professora era por causa da pressão dos outros professores das outras disciplinas… Um 6 que fosse mancharia a minha pauta! Não sabia expressar-me, não tinha ideias para escrever, tinha imensas dificuldades na interpretação textual. Hoje, ainda me atrapalho no início de uma conversa, mas quando começo e na escrita, pela graça de Deus, tem sido um milagre!
Em 1995, regressei à escola para concluir o 12º ano. Faltava a disciplina de História. A estudar à noite, fui o melhor aluno, com média final de 15! A Deus toda a glória!
Nesta minha exposição, espero não pôr tudo a perder…
2. Escrever na minha perspectiva
O que é para mim escrever?
2.1. Escrever é possibilitar a partilha de pensamentos – ou pensamento – que o pastor retira do estudo e da meditação da Palavra de Deus, da experiência de vida e da experiência pastoral e que julga poder ajudar outras pessoas, crentes em geral e outros pastores, e, dependendo da matéria, descrentes.
Pode até abordar um tema já desenvolvido por alguém, mas apresentado numa vertente ou visão diferente, que irá complementar o que já existe. Mesmo que repita o que outros já escreveram – o que é fácil acontecer, visto lermos o mesmo Livro e andarmos no mesmo barco, contando que não seja plágio – como disse um pastor-teólogo brasileiro, Ezequias Soares da Silva: “Quantos mais, melhor: mais gente é alcançada.”
2.2. Escrever é pregar por meio da escrita. Com a vantagem de se dizer mais do que aquilo que se diz no púlpito, onde o tempo e, por vezes, a composição da audiência não permite. Há quem seja contra os livros – ainda hoje!... - mas os livros são isso mesmo: sermões ou estudos bíblicos escritos, por norma mais enriquecedores.
Na perspectiva do ouvinte do sermão – para além de poder ser uma boa escolha para um tempo de lazer - o livro garante ficar com o registo completo do sermão – porque na audição do sermão só uma parte deste, relativamente reduzida, fica registada na mente. Tendo na mão o sermão escrito, o ouvinte pode reouvi-lo as vezes que quiser. Também, é ter em mãos o sermão ampliado, porque o escrito sempre é mais ampliado que a pregação.
2.3. Escrever é, para o Pastor, um exercício que o enriquece. Porque, na tarefa de escrever:
2.3.1. é obrigado a ler com maior atenção o texto bíblico, o que lhe proporciona aumento de conhecimento, reparar e perceber coisas que antes não tinha detectado e percebido; proporciona entender melhor o texto bíblico. Certas análises textuais tornam-se revelação; por vezes, textos que antes eram obscuros tornam-se claros;
2.3.2. é obrigado a ler e a pesquisar outras obras para reforçar e sustentar determinadas afirmações ou mesmo enriquecer as suas palavras. O período em que mais leio a Bíblia, outros livros e artigos é aquele em que estou a escrever. Face a isto, o pastor aprofunda-se no conhecimento, aumenta o seu entendimento, também a sua cultura bíblica, firma ou revê as suas convicções;
2.3.3. enriquece o seu ministério no púlpito; enriquece o vocabulário e a agilidade mental; sabe mais, tem mais do que falar, tem mais para dizer, pensa melhor, fala melhor e com maior fluidez;
2.4. Escrever aumenta a responsabilidade do Pastor. O que se prega tem peso, mas o que fica escrito é como um tratado. É uma tese. O que é escrito fica mais publicamente exposto à crítica de quem conhece as matérias, fica exposto ao contraditório. Estes factos obrigam o Pastor a estar bem fundamentado e documentado. Também, pelo facto de que publicando livros, o seu nome torna-se mais conhecido e requerido a pregar em igrejas e a participar em eventos – onde encontra audiências com gente bem formada academicamente, tanto a nível teológico como secular – o que o obriga a aprofundar o conhecimento bíblico e teológico, ministerial e eclesiástico; obriga-o a melhorar o seu desempenho no uso da palavra e da comunicação.
2.5. Escrever é deixar um legado:
2.5.1. Um legado de conhecimento e de experiências ministeriais para as novas gerações de pastores e líderes. Um legado de material para outros poderem usar nos seus ministérios.
2.5.2. Um legado de teologia bíblica. Considero que o estudo expositivo na congregação é o melhor método de estudo bíblico para a edificação da igreja, para um ministério de pregação duradouro e que torna a vida mais fácil ao pastor na doutrinação da igreja. A teologia bíblica é a teologia que resulta dessa abordagem de estudo bíblico – é a teologia que nasce da base e não de cima, de um qualquer preconceito escolástico/teológico previamente definido. Por outro lado, a exposição dessa teologia é feita de forma a ser prática, i.e, a ser praticada pelos ouvintes/igreja.
2.5.3. Um legado de teologia pastoral. Partilhar com os futuros líderes o arcabouço adquirido na prática do ministério pastoral, que resulta da experiência de liderar e administrar uma congregação, ou várias congregações. Descrever a prática dos relacionamentos com líderes e membros da igreja, como pessoas e dons espirituais, para a edificação da igreja e o exercício da mordomia material. Um legado de experiência – partilhar a experiência pastoral que ajudará as novas gerações no seu exercício ministerial.
2.5.4. Um legado histórico. Porque muitos sermões e muitos escritos têm como fonte os sermões, revelam situações reais que se vivem no momento, no tempo. Os livros fornecem elementos históricos que contribuem para a construção da história da igreja e do movimento evangélico.
3. Escrever na actualidade
A história da igreja também é feita da produção de literatura. Muito “papel e tinta” se tem gastado nestes dois milénios de vida da Igreja, na sua quase totalidade produzida por pastores. Muitos deles, na defesa da “fé que uma vez foi dada aos santos”, tornaram-se estudiosos exegetas e pensadores, formulando ou contribuindo para a formulação de doutrina a respeito de temas fundamentais, resultando naquilo que chamamos “Teologia Sistemática”. Tornaram-se pastores teólogos, pastores dotados de uma vocação ministerial doada por Cristo que os capacita a “sacar” as verdades divinas da Sua Palavra escrita, a Bíblia Sagrada.
Homens cujos escritos têm chegado até nós, com quem temos aprendido acerca das verdades imutáveis das Sagradas Escrituras, levando-nos a conhecer o caminho percorrido pela Igreja e também explicando-nos a razão de ser de certos acontecimentos e de estarmos aqui, de sermos quem somos, teológica e denominacionalmente.
3.1. Actualmente, é profícua a produção de literatura religiosa e espiritual
A espiritualidade é uma realidade humana que ninguém consegue matar. Com efeito, há um reavivamento da espiritualidade nestes últimos dias. Inclusive, no plano laboral/secular há um crescendo na valorização e introdução da espiritualidade, porque se prova que o rendimento produtivo é maior quando aos funcionários – “colaboradores” – é proporcionada e facilitada a prática da espiritualidade… Lamentavelmente, uma espiritualidade de vertente orientalista, mística e esotérica, não claramente identificada, mas oferecida de forma velada. Também não uma espiritualidade cultual (cerimonialmente falando), mas uma cultura de princípios e valores éticos e emocionais que têm a sua raiz cristã, ainda que não reconhecida ou negada.
No contexto evangélico, também chegam aos nossos escaparates muita produção literária, nem sempre de qualidade desejada! Parece-me, em abono da verdade, que já estivemos pior – no advento da teologia da confissão positiva e da prosperidade a coisa não era famosa. Necessitamos de literatura sadia, biblicamente fundamentada, em suporte de papel ou digital. Pastores, teólogos e conselheiros devem produzir/publicar livros que reformem conceitos e práticas.
3.2. Reforma e reavivamento
Como diz Pr. Hernandes Dias Lopes, precisamos de uma reforma e de um reavivamento. Uma reforma teológica, doutrinária, ética e litúrgica, e um reavivamento em que o Espírito de Deus tenha a primazia na condução e orientação das igrejas sobre as estratégias, esquemas e fórmulas humanas na celebração dos cultos e na liturgia e para que a nossa “letra” se torne Espírito vivificante. Uma reforma na mensagem e na doutrinação, de forma que esta seja objetiva e incisiva, acompanhada de “demonstração do Espírito e de poder” que transforma vidas e comunidades. Uma mensagem que não seja uma “massagem”, mas que incomode as nossas consciências e nos mantenha despertos; uma doutrinação que prepare as pessoas para se encontrarem com Deus e para que Jesus lhes seja apresentado. Enfim, uma mensagem e um ensino que produzam verdadeiros discípulos de Jesus, vivos e ativos, comprometidos com os interesses do Reino de Deus e que visem a glória do nome de Jesus! Uma reforma e um reavivamento que nos façam retornar não ao início histórico de cada denominação (o que já não seria mau), nem à Reforma Protestante (que seria bom), mas à “Igreja Primitiva”, que é o padrão para toda a história da Igreja!
3.3. Creio que a literatura tem muita força e tem uma palavra dizer a este respeito
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Precisamos de literatura genuinamente bíblica.
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Precisamos de literatura que mude o quadro de ignorância bíblica generalizada.
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Precisamos de literatura que reponha a abordagem de temáticas fundamentais para a fé e a vida, que julgamos dadas como certas, literariamente acessível aos crentes, simples, despojada de elaborados conceitos teológicos, como sejam: Trindade, idolatria, falsa espiritualidade, heresiologia, valores morais, namoro, divórcio e casamento, etc.
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Precisamos de literatura que produza crentes responsáveis e comprometidos.
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Precisamos de literatura que forme crentes devotos a Deus e à sua igreja local.
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Precisamos de literatura que gere crentes cristocêntricos, firmados em Cristo, vivendo para Cristo, servindo-O e não servindo-se d’Ele.
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Precisamos de literatura que nos liberte do egocentrismo e do individualismo, que leve o nosso coração e mente voltarem-se para a pessoa do próximo.
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Precisamos de literatura que fomente o discipulado, a evangelização e a missão.
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Precisamos de literatura que eduque e incremente a prática das disciplinas devocionais – meditação bíblica, oração e jejum – para que os crentes vençam o pecado e o mundo, derrotem o desânimo e tenham a força de Deus para não se entregarem à depressão.
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Precisamos de autores autóctones e aculturados para escreverem de forma contextualizada ao nosso país e cultura. Acredito que se os pastores portugueses e os estrangeiros que servem no nosso país se empenharem neste afã, isso poderá um elemento motivador para a leitura.
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Precisamos de literatura evangélica que chegue às prateleiras das livrarias seculares, como uma oferta alternativa, porém, certa e eficaz e que, por seu intermédio, muitos se salvem e venham ao conhecimento da verdade!
4. Intercessão
Mas por outro lado, precisamos de interceder muito pelo nosso povo para que o Espírito Santo crie apetite pela leitura. É patente – falo do nosso contexto eclesiástico – o desinteresse pela leitura. Quando me converti lia-se muito nas nossas igrejas: Novas de Alegria, Avivamento, outras revistas, Bíblia e outros livros. Os crentes tinham conhecimento bíblico. Sabiam para si, sabiam para os descrentes e para os novos crentes. Agora, existem muitas distrações: smartphones e redes sociais, televisão com um sem número de canais e programas de diversão, videogramas. Coisas que dantes eram consideradas pecaminosas, agora viraram “80” nos nossos tempos livres: TV e futebol. Gente que recorda imagem por imagem o último episódio da série televisiva ou da telenovela; gente que sabe dizer o nome do painel principal do clube preferido e não sabe os nomes dos “profetas menores” ou das treze epístolas paulinas!
Perda de interesse pela leitura? Não sei!? Vejo cada vez mais pessoas a lerem romances de grande quantidade de páginas; muitos com múltiplas edições com milhares de tiragens; os escaparates seculares não param de ser renovados…
Requer-se um movimento do Espírito de Deus no seio das nossas igrejas, para despertar o interesse devido por leitura sadia e espiritual!
Pastores, escrevam! Livros, opúsculos, folhetos, artigos para revistas, blogues, redes sociais, mas escrevam…