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Será evidente, da leitura de outros Retalhos (ver, especialmente J, «Jugos», e T, «Templos»), que houve muitos momentos na nossa vida de ministério em que nos sentimos fracos, de modo especial na fase em que fui pastor da Igreja Baptista de Caldas da Rainha.

Mesmo antes disso, a minha tensão arterial revelou com frequência a tendência de subir em alturas de stress, deixando-me com uma estranha sensação de ser incapaz de enfrentar situações ou desafios que normalmente seriam encarados com normalidade.

 

Quando estava a dar aulas de inglês, no «British Council» em Coimbra, tínhamos um filho adotado e três crianças muito pequenas. A Celeste sofreu situações de bastante fraqueza depois de cada parto. Os nossos meios financeiros eram insuficientes para o sustento de uma família de seis – e era preciso termos outras ajudas para tratar dos filhos. O meu sogro, além de ter recebido a família na sua casa alugada em Coimbra, foi incansável no apoio que deu e uma irmã já idosa da igreja de Coimbra, D. Angelina Moreira, foi quem se ofereceu para lavar uma boa parte das fraldas de cada um deles nesses períodos de pós-parto. Mesmo assim tivemos de ter outra ajuda e a jovem Luísa Sebastião, angolana, que veio fazer o seu curso secundário em Coimbra, surgiu como solução, trabalhando em part-time nas tarefas domésticas.

 

Esta última solução exigiu algum envolvimento financeiro, dentro de um orçamento já tão apertado que, humanamente falando, não era sustentável. Não sendo nessa fase missionários apoiados por uma Missão, não podíamos apelar para amigos nos ajudarem.

 

Nessa altura fui informado na Casa de Inglaterra de que, para poder continuar no meu emprego, teria de fazer um estágio (Diploma da Royal Society of Arts). As despesas seriam assumidas pela escola. Mas iria ser preciso muito trabalho, fora das horas de aulas, tanto para estudar noções teóricas de pedagogia como para preparar aulas assistidas, que constituíam a parte prática do estágio. Não será preciso acrescentar que, do ponto de vista familiar, estava na altura menos favorável possível para enfrentar este desafio. Não me foi dada a opção de recusar - se quisesse continuar no trabalho. Foi nesta altura que surgiram pela primeira vez os sintomas da úlcera duodenal que me acompanhou periodicamente até aos 50 anos, acompanhados por subidas de tensão arterial.

 

Uma lição dura que tive de aprender foi a de lidar com a situação do insucesso em exames (as minhas experiências de «chumbar», até à altura, tinham sido aos 17 anos, no exame de condução - três vezes - e, aos 20, num exame de grego na Faculdade). Reprovar na parte prática deste exame na Casa de Inglaterra foi para mim um tipo de declaração de que não era um professor adequado para a tarefa – sensação esta com que tive de conviver durante mais dois anos, antes de ter a oportunidade de repetir o exame, dessa vez com sucesso. Ao mesmo tempo, o meu envolvimento na vida do lar estava a ser menos do que seria de esperar de um marido e pai de quatro filhos pequenos.

 

Curiosamente, esta experiência traumática de insucesso no estágio trouxe-me depois um benefício muito grande, de uma forma que não esperava. O treinar a interação escolar, com métodos participativos e trabalho em grupos, foi de uma grande ajuda quando depois passei a dar aulas de Teologia no Seminário Baptista (ver Retalho «S»). E aprender a reprovar, aceitando a situação com humildade, talvez tenha sido um elemento não menos importante usado por Deus na formação do meu carácter!

 

Já partilhei em outros Retalhos a maneira como fui quase obrigado a deixar o ministério pastoral da Igreja Baptista de Caldas. Havendo uma divisão de opiniões na igreja acerca do meu ministério, a opinião de muitos colegas no ministério era que deveria sair voluntariamente. Haveria outras igrejas que poderia servir, onde talvez os meus dons e o meu trabalho fossem mais bem aceites.

 

O que nos segurou nessa situação delicada foi a forte sensação de que aqui havia um núcleo pequeno, mas espiritualmente forte, de crentes que, caso saíssemos, ficariam desamparados. E que aqueles que optassem por não querer seguir normas bíblicas em certos aspectos (ver «J») ou que não fossem capazes de acreditar na capacidade de o Senhor responder às nossas orações relativamente ao projeto do templo (ver «T») ‘ganhariam’ – só para depois perderem de outras maneiras!

 

Na primeira altura em que saiu um grupo de membros da igreja, incluindo vários jovens, em 1991, uma subida da tensão arterial obrigou-me a ficar de cama. Deveria ter estado a presidir às reuniões - as mesmas em que o futuro do meu ministério estava a ser discutido. E alguns membros da igreja achavam que, para eu ganhar a energia necessária para fazer isso, as reuniões deviam ser adiadas, para poderem ser dirigidas por mim. Só que eu, a Celeste e alguns irmãos mais chegados, percebemos que a tensão alta permanecia exatamente por causa dos conflitos na igreja e não iria normalizar enquanto esses problemas não entrassem no caminho da resolução. Foi assim que, com o apoio da direção, a Celeste teve a tarefa extremamente difícil de me substituir, dirigindo duas reuniões dificílimas, numa das quais elementos da liderança da igreja pediram a demissão. Ela era mais experiente do que eu na dinâmica das reuniões deliberativas (uma arte que tinha aprendido nas Assembleias Gerais da Convenção Baptista Portuguesa, aquando do seu trabalho como Presidente do Departamento da Juventude da Convenção Baptista, e que praticara em momentos muito tensos em reuniões com pais na Escola Secundária em Coimbra). Mas também confessou que a sensação de estar a enfrentar diretamente - dentro da própria igreja - as forças de Satanás, mantendo a calma e a dignidade, foi tão horrível que perdeu qualquer desejo de ter de assumir este tipo de papel de liderança daí para a frente. Não seria ela que se iria associar depois à luta de alguns para as mulheres poderem assumir a liderança pastoral nas igrejas! Mas a minha dívida de gratidão a ela, por aquilo que conseguiu contribuir num momento tão difícil, é enorme. Nessa altura, como em tantas outras antes e depois!

 

Mais uma vez parece que o ganho nessas situações, pelo menos a curto prazo, foi para o meu ministério de ensino teológico. Inumeráveis vezes, alunos já envolvidos no ministério e colegas pastores aproximaram-se de mim, para partilhar comigo as suas lutas e pedir os meus conselhos. Várias vezes fui chamado para intervir em situações de desavença nas igrejas – algumas delas derivadas do facto de o pastor querer manter uma linha de coerência, como eu tinha tentado fazer, mas outras derivadas de erros sérios cometidos pelos pastores e que os obrigaram a ter de sair do ministério. Parece que a minha vulnerabilidade tinha criado em mim alguma sensibilidade. Poderia em alguns casos não ter muito a dizer às pessoas ou igrejas em dificuldades – mas tinha aprendido a ouvir e a «chorar com os que choravam», o que talvez tenha sido uma mais-valia sentida por alguns. E, além disso, habituei-me a recorrer às lições aprendidas da experiência, no meu ensino em aulas – de Teologia Sistemática e Ética Cristã, entre outras - que assim passaram a ter mais valor nas áreas de aplicação prática.

 

A vitória na vulnerabilidade é um tema conhecido das Epístolas de Paulo. Não quer dizer que alguns problemas de saúde surgidos em alturas de stress nunca sejam resolvidos. Pela graça de Deus, orientando para um novo tipo de medicação, foi em 2001 - já com 50 anos - que experimentei a cura da minha úlcera duodenal, que era considerada bastante séria, mas que depois nunca mais voltou a manifestar-se. A tensão arterial ainda hoje apresenta os seus desafios, mas vai sendo controlada!

 

Paulo quis ser liberto de uma vez por todas do seu «espinho na carne» (terá sido uma doença ou terá sido outro tipo de problema - uma dificuldade com uma pessoa das suas relações, por exemplo?). E Deus não lhe deu essa libertação, mas falou assim:

 

«A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo», (2 Coríntios 12:9).

 

Quando penso na minha esposa, nos meus filhos e num pequeno grupo de irmãos em Caldas da Rainha que permaneceu em comunhão com a sua igreja e com o seu Senhor, ao longo de vários períodos de crise, revivo de certa maneira esta vivência do grande Apóstolo. E, ainda que no meio de um ou outro laivo de tristeza, sou subitamente invadido por um grande sentimento de humildade, gratidão e alegria que é bem veiculado também por um hino no Cantor Cristão que cantamos várias vezes em alturas de crise e que, no seu refrão, se expressa assim:

 

Não é dos fortes a vitória, nem dos que correm melhor! Mas dos fiéis e sinceros, como nos diz o Senhor!.

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